Crônicas

Sem água?

    Quem imaginaria que dentro do Brasil, país que possui cerca de 13% de toda a água doce do mundo, existiriam grandes metrópoles passando por uma crise hídrica? Ninguém, mas esse tempo chegou. Por conta da má administração do nosso recurso natural, estamos passando por uma crise hídrica e não temos previsão de quando essa situação irá se normalizar.
    Entre o ano de 2009 e 2013, na cidade de São Paulo, houve situação reversa a atual, estava chovendo acima das médias previstas, conforme dados do site JusBrasil (Último acesso 19 fev. 2015). 
      Com toda essa abundância de chuva, o governo passou a achar que o sistema Cantareira seria autossuficiente e que não faltaria água, não fazendo os devidos investimentos.

     O maior consumidor de água é o agronegócio que, segundo o PNUD (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento) e a ANA (Agência Nacional de Águas), consomem cerca de 72% da água e consumiram em 2013 200 trilhões de litros. Mesmo esses dados sendo públicos e o governo tendo conhecimento deles, não houve nenhum tipo de fiscalização e nenhuma punição para as empresas deste ramo.
          Planejamento, investimento e fiscalização foram as três coisas que o governo não realizou para evitar a atual crise hídrica. Um dos projetos do governo poderia ser um sistema de captura da água da chuva, colocado em vários pontos do estado e que encaminharia essa água para um dos sistemas de abastecimento. Já as empresas de agronegócio poderiam implantar a micro irrigação, que regaria as plantas na medida certa, evitando o desperdício de água.
    Podemos concluir que, mesmo em um país que possui grande porcentagem da água doce do mundo, a falta de administração desse recurso gera graves problemas.

Campus São Paulo /  2º ciclo
Luana Miranda da Silva

O METRÔ


 São 6 horas, em uma tarde de verão. O Sol que costuma brilhar por essas bandas parece ter tirado um tempo para si, deixando que as nuvens cinzentas assumam o controle dos céus. Sentir o vento soprando sobre mim traz uma sensação revigorante, deixando-me cada vez mais animado.

Logo chego à estação, e a brisa costumeira do anoitecer dá lugar ao som dos vagões lotados chegando e partindo da plataforma. Sigo pelo meu caminho usual até ela, e aguardo até que o próximo trem chegue. Nesse intervalo de tempo, levo a mão ao bolso para pegar o celular e ver quanto tempo me falta. São 6 e meia, então muito tenho tempo de sobra. Em seguida, chega o tão aguardado trem que, apesar de não estar lotado, ainda sim, não tem muito espaço. 
Já dentro dele, olho a minha volta. Sinto-me fuzilado pelos olhares das pessoas, mas isso não me incomoda, pois, no meio desse aglomerado faces que aqui estão, uma em especial chama-me a atenção: um garoto, que aparenta ter uns 11 anos carrega uma caixa cheia de chocolates. Não é preciso pensar muito para entender o que ele faz aqui. O jovem perpassa toda extensão do vagão oferecendo seus produtos à multidão. Interessante ver a reação do povo: uns colocam os fones, outros enfiam a cara em livros, tem ainda que aqueles que pegam seus celulares e agem como se estivessem ocupados, mas os meus preferidos são os que fingem dormir. Afinal, fechar os olhos para a realidade é sempre a melhor opção. Já eu, aguardo ansiosamente pela aproximação do garoto, e assim que ele passa a minha frente, chamo-o e peço um chocolate qualquer. Talvez alimentar esse tipo de comércio seja mais errado que ignorá-lo, mas pensar no que o “chefe” dele pode fazer com ele mais tarde, faz-me sentir impelido a comprar o tal doce. 

Efetuado o pagamento, volto a olhar para todos novamente. Vejo que muitos me encaram disfarçadamente, e logo que sentem meu olhar, viram suas cabeças. Isso me faz perceber que estou cercado por pessoas, que, apesar de estarem próximas, estão distantes umas das outras. É até irônico pensar que eu consiga sentir tanto calor humano emanando dessa multidão tão fria e dispersa; vejo humanos, mas falta humanidade. 

Por ora, deixo de lado esses pensamentos, mas sei que logo os terei novamente. Só me pergunto até quando serei tomado por essa sensação de descrença nas pessoas? Essa sensação de mecanização da vida que tirou de todos os princípios mais básicos. Bom, talvez tudo que eu tenha que fazer é parar de andar de metrô.


Jeferson de Almeida
1º ciclo Noturno - Adm SP (2015)


Recordar

 

Andrea da Silva Raimundo 

Como diz a conhecida marchinha de carnaval, recordar é viver! Concordo plenamente com essa afirmação, mas vou mais além, recordar não é só viver, mas é também reviver, pois segundo o The Latin Dictionary, a palavra recordar vem do verbo em latim recordari e que significa (re = de novo) e (cordis =  coração), confirmando que essa palavra tem um significado que vai além de sua etimologia e nos atinge de uma maneira muito mais profunda. Sei que tem muitas pessoas por aí que dizem que viver do passado é coisa de museu ou atraso de vida, mas na minha humilde opinião, isso não é verdade.  

Todos nós, vez ou outra, precisamos recordar acontecimentos passados para que possamos entender acontecimentos presentes ou até mesmo futuros em nossas vidas. É tão bom quando recordamos e trazemos para junto de nossos corações todos aqueles episódios que nos trouxeram tantas alegrias ou tristezas, pois não é só com as alegrias que aprendemos, pelo contrário, aprendemos muito mais com nossas tristezas que nos fazem cair muitas vezes, não para ficarmos no chão, mas para nos levantarmos  e enfrentarmos a vida com mais vontade e determinação para vencermos. 

Gosto muito de recordar os acontecimentos de minha infância, das brincadeiras de rua com meus amigos, o esconde-esconde, o pega-pega, a queimada, e tantas outras brincadeiras que me faziam tão bem e que contribuíram para que me tornasse uma pessoa com histórias para recordar. Enfim, cada dia mais me convenço da força que tem esse verbo, de sua profundidade e importância em nossas vidas. Recordar é viver!

Referências
THE LATIN DICTIONARY. Disponível em: <http://www.latin-dictionary.org/recordari>. Acesso em: 19 jun. 2013.




Amigo? 

Nathália Melo 
E escrever sobre ele era como se eu o convidasse pra entrar. E, NÃO! 
Mas quando percebi, me diz, do que adiantava? 
          De certa maneira ele já tinha invadido. E mesmo que eu tentasse disfarçar falando menos, me distanciando, ele também já sabia. Ele me obrigava a escolher entre mudar ou arriscar essa minha maneira antiga de ser. Fazia-me logo puxar o pé pra trás, quando eu pensava em jogar pra frente para seguir adiante. E eu não podia, não podia na sua frente ser e fazer sem que isso me comprometesse a riscos. Mas às vezes, eu só queria arriscar, então, eu arrisquei. 
        E quando me perguntaram o porquê, engraçado como parava e sabia responder exatamente cada coisa. Virando o rosto meio de lado como se assistisse ali a tudo que eu me enchia por dizer. Cada coisa na minha cabeça me trazendo ele estampado no sorriso que continuava bobo.  Bobo mesmo, porque ele disse pra parar. Ele foi, e disse para não ser assim. Ele disse e se foi. E eu quis puxar de volta. E porque eu puxei, ele ficou...  Mas prefiro pensar que porque eu puxei, ele voltou a querer, e aí então decidiu ficar. 
         ...Mas a maneira. A maneira como diz “hã”. Dessa maneira milimetricamente dele, jogando o rosto um pouco pra frente. Exatamente isso me causa frio na barriga. 
- Mas só por isso? Uma tonta mesmo. 
          Não, a maneira como ele olha. E ele olha muito. Olha forte. Pega no meu rosto do jeito que me desarma e olha. Parece que fica contando cada defeito que eu tenho, mas no final só diz “linda” e continua olhando.  Vai ver essa é a maneira que ele encontrou para entrar em mim sem eu nem perceber, já que eu não consigo parar de gostar dele me olhando assim. Às vezes eu penso em me esconder, mas que pretensão pensar que com as mãos no rosto eu consigo esconder alguma coisa. 
- E que mais? 
          O jeito que ele anda, mesmo com dor nas costas, pé machucado, fazendo graça, fazendo piada. Quando ele anda, anda até mim para me abraçar. E ele abraça grande, abraça forte. Me perco ali. 
Às vezes me seguro para não segurar, não segurar e arrastar pra mim. E eu só quero segurar firme e não soltar. Mas às vezes eu abraço fraco, já pra ele ir.. Quero que ele vá, e volte se quiser voltar. 
- Você não disfarça? 
       - E pra quê? Me diz? Eu poderia não estar escrevendo nada disso, pra que ele não soubesse. Ou que pensasse que tudo apenas foi.  Ou, também, foi. Mas eu não quero que ele ache isso. 
         A chance de ser o que eu quero, eu deixo pra depois, e por enquanto eu continuo assim.  Se isso faz as coisas serem de dias ou horas, eu quero continuar sendo assim.  Se o que eu sou aproxima ou afasta, eu ainda prefiro ser assim.  E eu ainda prefiro que ele saiba. 
Prefiro que ele saiba que mesmo não querendo que ele entre, que ele pode entrar.. 
E que mesmo que ele não queira entrar, de alguma maneira que eu não sei, ele vai estar aqui.

Curso: Administração
Semestre: 4º
Unidade: São Bernardo do Campo
Ano Vigente: 2013




DIA INTERNACIONAL DA MULHER 

Renato Ladeia

           A comemoração do Dia Internacional da Mulher sugere algumas reflexões sobre o impacto do gênero nas organizações, sejam elas de natureza pública, privadas voltadas para o lucro ou de natureza social. Primeiramente, parece-me equivocado ter um dia da mulher, pois todos os dias são das mulheres e elas sem dúvida merecem isso. Porém, se é para comemorar uma data deveria ser o dia dos direitos da mulher, que soaria mais adequado e evitaria as críticas machistas de que deveria ter, também, o dia internacional dos homens. 
       A situação da mulher mudou substancialmente ao longo dos últimos dois mil anos, principalmente no Ocidente, onde os direitos de cidadania já fazem parte do cotidiano na maioria dos países. Ao lembrar que o filósofo grego Aristóteles afirmava que ao homem é permitido castigar a sua mulher, seus filhos e escravos porque eles a ele pertencem, tem-se a clara noção do papel feminino na antiguidade. O episódio bíblico em que uma mulher prestes a ser apedrejada por uma multidão ensandecida, é socorrida por Jesus que desafia a horda com “Atire a primeira pedra...”, para mim é o momento de uma clara ruptura dos padrões patriarcais da sociedade judaica com o advento do cristianismo, que dá a mulher um novo status social.
       Mas é mesmo com o advento do Capitalismo e a Revolução Industrial que ocorre uma mudança fundamental no papel da mulher na sociedade. A necessidade de braços para movimentar as fábricas faz com que os empresários recrutem, além dos homens disponíveis, mulheres e crianças para atender as demandas crescentes de produção. As jornadas de trabalhos eram longas e estressantes sob condições de trabalho insalubres e sob o comando de capatazes que exauriam as forças do trabalhador até o limite máximo, às vezes até com violência. As mulheres, além do trabalho nas fábricas ainda cumpriam, como até hoje é comum nas classes menos abastadas, uma segunda jornada para dar conta das tarefas domésticas.
          É sempre bom lembrar que a mulher passou a ter direito de votar apenas nos anos trinta do século passado, mesmo nos EUA e Europa, quando os movimentos sufragistas obtiveram a primeira significativa vitória da luta da mulher contra o poder patriarcal. Ainda que o direito de voto tenha apenas um sentido simbólico, representou um grande avanço na igualdade de direitos, abrindo caminho para novas conquistas.
          A sociedade mudou e a educação das meninas de classe média e alta não ficou restrita à escola normal e, impulsionadas pela onda transformadora, foram também para as universidades, que a partir dos anos quarenta, no Brasil, começaram a ter uma crescente presença do gênero feminino nas salas de aula. Em meados dos anos cinqüenta, notícia de jornal deu conta que uma jovem estava freqüentando uma escola de Administração em São Paulo, um fato inusitado para os padrões da época. Hoje nas salas de aula dos cursos de Administração as mulheres já são maioria. Isso ocorre em outras áreas como Direito e em algumas modalidades de engenharia.
     Até pouco tempo o papel das mulheres nas organizações se restringia às atividades de apoio, como secretárias, datilógrafas, telefonistas, copeiras etc. Hoje o sexo feminino está galgando os mais diversos níveis nas estruturas hierárquicas, criando uma nova realidade organizacional, influenciando o clima e a cultura nas instituições. Estudos organizacionais realizados em fins do século passado analisavam o papel das mulheres como executivas, concluindo que a maioria delas assumia um estilo masculino de gestão com o objetivo de se impor diante de homens que não aceitavam um comandante de saias. Mais recentemente, as pesquisas já indicam que está emergindo um novo estilo de gestão, em que as mulheres, utilizando elementos da personalidade feminina, como a empatia e sensibilidade interpessoal, conseguem obter resultados muitas vezes superiores aos homens.
         Mas nem tudo ainda é um mar de rosas. Há muito ainda a fazer para que o sexo feminino conquiste a plena cidadania organizacional. A maioria das mulheres ainda recebe salários inferiores aos homens, mesmo exercendo as mesmas funções. O preconceito de gênero ainda é forte nas organizações, colocando as mulheres mais como objeto sexual do que como colegas de trabalho. O conflito de gênero é o resultado da ruptura de uma longa tradição, arraigada em nossa cultura que tem em sua base de formação uma estrutura social oligárquica, patriarcal e escravista. O assédio moral e sexual em função da presença feminina nas empresas, infelizmente, ainda é um sério problema a ser resolvido pela legislação e pelos gestores.
       Por outro lado, já é possível afirmar que a presença do gênero feminino nos diversos escalões vem engendrando uma saudável mudança no clima organizacional da maioria das empresas. O humanismo, muito mais presente nas mulheres pela condição da maternidade, pode fazer as organizações se tornarem locais mais acolhedores à diversidade, não só de gênero, como também racial, étnica, religiosa e cultural. 



O CUSTO DO CARNAVAL

Murilo Baliani Nabarrete 

Seria o carnaval realmente uma festa popular? Vista como forma de lucro, essa comemoração traz luxo e sofisticação para avenida, mas deixa em casa grande parte do povo que merecia estar festejando nas ruas como antigamente.
            É a festa mais famosa e conhecida do Brasil, chegou por aqui em meados do séc. XVII com o início da colonização. Hoje nomeada como carnaval, não recebeu apenas mudanças no nome, mas sim em sua essência.
            Nas duas cidades que são os cartões postais dessa festa popular, predominam o samba e os desfiles nos sambódromos do Anhembi e Marquês de Sapucaí. Sem dúvidas, os desfiles são lindos, mas é uma festa que se resume em personalidades famosas querendo destaque, enquanto o verdadeiro folião vê o desfile em casa pela TV, muitas vezes por falta de condições para comprar os ingressos ou as fantasias para os desfiles.
            O verdadeiro e original carnaval está onde ainda tem os bailes, as bandinhas que fazem as famílias de todas as idades mexerem ao som das marchinhas, o maracatu, os cordões, blocos, frevo, trios elétricos e até o samba em sua raiz. O carnaval está onde qualquer um, independente de fama ou dinheiro, possa tirar a máscara da vergonha e ser feliz nessas quatro noites de festa.
Curso: Ciência da Computação

Ciclo: 1° sem

Unidade: SBC


                                                        O JULGAMENTO DO CALIFA CALACOUT

                                                                                                                                     Renato Ladeia 

                Li dias atrás no jornal que Samuel Cutrufelli, um ladrão de 31 anos abriu um processo contra o senhor Leone, que reagiu a um assalto na Califórnia, EUA. Cutrufelli invadiu a casa de Leone e foi baleado pelo dono. O criminoso está exigindo uma reparação por danos físicos e morais. Parece um absurdo, mas considerando a fonte, devo aceitar como verossímil. Essa notícia me fez lembrar uma velha historia árabe contada por minha professora de literatura no colégio, também de origem árabe, nos anos setenta. A história é a seguinte: 
           Um ladrão ao invadir uma casa, apoiou-se em uma janela e esta, mal conservada, quebrou fazendo com que o ladrão despencasse e quebrasse um braço. O ladrão inconformado com o acidente foi reclamar ao Califa Calacout, um homem que tinha mania de justiça. Como se sabe, os califas no Oriente Médio tem autoridade militar, religiosa, jurídica e administrativa como manda a tradição. 

          Diante do poderoso califa o ladrão expôs o seu problema, acusando o proprietário da casa de negligência com relação à manutenção da casa, causa direta do seu infortúnio. O Califa ouviu as argumentações do ladrão e mandou que seus guardas trouxessem a sua presença o proprietário da casa. Esse, diante dos fatos apresentados alegou que não tinha culpa, pois mandou um carpinteiro consertar as suas janelas e pagou por esse serviço, um bom preço. Diante disso, alegou que se alguém é culpado, só pode ser o carpinteiro. Diante da explicação do proprietário o califa mandou que os guardas trouxessem a sua presença o tal carpinteiro. Ouvido, o carpinteiro apresentou a sua versão dos fatos. Explicou que enquanto consertava a tal janela, sua atenção foi desviada por uma bela jovem com um vestido colorido que passou diante da casa. Diante disso, explicou o carpinteiro, se alguém é culpado, esse alguém só pode ser a bela jovem. 
               O califa concordou e mandou que buscassem a jovem para se explicar. A jovem diante do poderoso califa argumentou que não tinha culpa, pois a sua beleza fora Alá quem havia dado e o vestido foi confeccionado com o tecido de um conhecido comerciante do lugar. Assim, alegou à jovem, o culpado só pode ser o comerciante. 
           O coitado do comerciante, um homem muito grande, tremeu diante do califa e não conseguiu contra argumentar, assumindo a culpa pelo acidente do ladrão. O Califa ficou satisfeito em ter promovido a justiça diante do seu povo e ordenou que enforcassem o comerciante. Levado o comerciante para a execução surgiu outro problema: ele não cabia na forca por causa do tamanho. Os soldados voltaram ao califa e explicaram o problema. Diante do inusitado, o califa determinou que executassem o primeiro comerciante baixinho que encontrassem. Assim, o Califa pode dormir em paz, pois mais uma vez fizera sua justiça. 
       Não é que a história do ladrão norte-americano guarda semelhança com a história do califa. É muito provável que o juiz que julgar o caso não utilizará os mesmos critérios do Califa, pois seria absurdo nos modelos modernos de justiça alguém pagar pelos crimes de outrem. Mas no Brasil é provável que o dono da casa assaltada seria julgado por tentativa de homicídio e poderia ser condenado a pagar as despesas médicas e cestas básicas. Isso se não tiver problemas com porte de armas, que não existe nos EUA, onde as pessoas as compram por reembolso postal. 
              A história do Califa Kalacout veio novamente à minha memória com a história kafkiana de um amigo, pequeno empresário em São Paulo. Tempos atrás ele protestou um cliente que pagou a mercadoria com um cheque sem fundos. Nunca recebeu o valor e o assunto já tinha sido contabilizado com perda, quando recebeu uma notificação judicial da cidade de Porto Seguro na Bahia. Na notificação ele foi acusado de danos morais ao sujeito que emitiu o cheque sem fundos, pois ao fazer uma compra foi avisado que seu nome estava protestado. O caso envolvia o pagamento de dez mil reais de indenização. Meu amigo consultou seu advogado que sugeriu que ele fosse até Porto Seguro e apresentasse os documentos, pois caso contrário poderia ser condenado à revelia. O custo da viagem de avião, estadia e demais despesas, segundo seus cálculos passaria de três mil reais. Consultando outro advogado, foi ainda advertido que se ele comparecesse ao Fórum da cidade baiana, o autor da denúncia, ao saber que ele estaria presente, sairia sorrateiramente e depois voltaria com a mesma reclamação, alegando que estava doente no dia da audiência. Neste caso ele deveria retornar à Porto Seguro, enfrentando novos gastos. Diante do insólito, o advogado sugeriu que ele fizesse um acordo com o reclamante. O valor inicial do acordo foi de mil reais e foi fechado com mil e quinhentos. Ele pagou a conta como vítima de um sistema judiciário parecido com o do Califa Calacout. O ladrão ao invés de reclamar da janela, reclamou dos danos morais, resultado do seu ato imoral e desonesto ao emitir um cheque sem fundos para pagar uma compra. 
               Infelizmente os critérios de julgamento do califa ainda existem, apesar da historinha ter centenas de anos e parecer um conto da carochinha.  Muitas vezes a justiça construída até com boas intenções para preservar os direitos do cidadão, serve também para a prática do ilícito, sob a proteção da lei e participação de advogados desonestos, que desonram a profissão. Meu amigo, ao fazer o acordo ajudou, muito a contragosto, a manter a continuidade deste tipo de crime, pois ficaria muito mais custoso fazer cumprir os seus direitos do que ceder ao estelionato. Assim, “O Processo”, ficção de Franz Kafka, escrita no começo do século XX, que narra a história de um cidadão que é processado e condenado sem nunca saber a razão, se torna uma triste realidade no cotidiano da vida moderna.




LOMBO DE CAVALO
 
Creso de Franco Peixoto [1]
            Quatro da tarde. Sol ainda quente. Longa trilha entre Catuçaba e Ubatuba. A Serra ameniza forte calor, apesar da íngreme descida que obriga cavaleiro e cavalo frearem. Um, as patas em pedriscos que insistem em voar para todos os lados a cada tentativa do animal em conter a descida, o outro, corpo para trás, aperta estribo, evita inclinar sobre a sela. Nova fonte. O cavalo estanca. Bebe lentamente. Seu cavaleiro levanta a cabeça. Esporas no lombo, sem força. Nada. Continua a beber.
             − Não quer andar! Humm! Qualquer pocinha é pretexto para atrasar a viagem! Fala para si próprio, respira fundo enquanto olha para o azul do céu que não deixa divisão com o mesmo tom oceânico. Aguarda, agora, em silêncio. Um pouco da dor de cabeça da mesa com amigos da noite passada se junta ao calor do fim do dia. Olhar resignado, coça a barba de um dia, levando o rosto à mão. Cotovelo o equilibra sobre a sela.
            Mergulha pensamentos no passado. Lembra-se do dia em que buscava um grampo para gravata na companhia do filho. Fora áspero quando a balconista da joalheria propusera belo grampo de Ouro. − Não! Quero um mais barato! Voz alta, assoprada, sem gritar. Vogais repetidas como ênfase. −Um belo grampo de prata? Repete proposta, sem esboçar sentimento − Não! Um mais barato! Meneava levemente a cabeça enquanto respondia. − Estaria bom um de latão, Senhor, um simplesinho? − Não! Quero um de plástico! Aquele que vem no doce! Arrepende-se do ato. Quisera, talvez, demonstrar seu desprezo por coisas materiais ao filho e para ele mesmo. Destratara a moça.
            Seus pensamentos são subitamente interrompidos. Vira seu rosto para ver o que se aproximava, enquanto limpava rápido uma lágrima que insistia brotar, com a ponta de um dedo.
            Um semi-trole desce a serra com velocidade. Muito pó. Apressado comerciante levava palmitos. Seu cavalo para de beber. Seguem, finalmente, ao baixar do pó. Ainda assim, levaria duas horas.
            −Eles acabam com a floresta com esta mania de tirar palmitos do mato! Fala, enquanto bate o pó do peito.
            Seus pensamentos voltam à noite passada. Lembra que saíra tarde do Fórum. Acabara de dar sentença em um processo de desentendimento de casal com agressão. Escrevera à mão. A velha Remington 12 ficara no canto, fita sem tinta. Jogara o pesado processo na gaveta.
            − Covarde! Bater em mulher!
            − Mas juiz não tem emoção, julga com razão. Reproduzia a mesma voz baixa que, em sua sala, eco não gerava na parede caiada, recentemente pintada para reduzir o mofo que insiste a habitar, típico de úmidas cidades litorâneas. Coçara a perna, antes de passar chave na gaveta. Mais um borrachudo.
            − Nas não vou trabalhar de janela fechada.
            − Estes bichinhos não mandam em mim! Balbuciava, coçando a outra perna. Procurara a chave do Fórum no bolso. Ninguém para despedir, saíra mais tarde. Fechara a pesada porta do Fórum, afinal, o último funcionário já lhe perguntara se precisaria dele, aflito para voltar para cada, já fazia mais de uma hora. A imagem da praça Nóbrega o ocupa. Tirara o paletó jogando o ombro enquanto soltava o primeiro botão da gravata. Seus amigos já estavam em mesa do acanhado bar. Não era mais doutor. Já sabiam que ele insistia que o dêérre ficava na porta oposta. Se insistissem em trato formal, abria rico dicionário de palavrões, enquanto levantava a mão e inclinava a cabeça. Sorria. Acabava os impropérios deixando a boca aberta, olhos vagos, como a informar em conhecido gestual, que não queria ali, formalidade. Apenas amizade de qualquer um, de prosa densa, que poderia discutir de forma veemente e olhar na mesma altura.
            O ruído de nova cascata o traz para o momento. Para, outra vez. As singelas florezinhas do campo parecem ser as únicas com vida na serra do Mar. O vento gerado pela queda d’água acarretava um vai e vem contínuo de Marias sem vergonha. Estas parecem preferir a serra, entre planalto e baixada. Impatiens Walleriana, lembra. Sua professora ensinou.
            − Que nada, é Maria Sem Vergonha e pronto. Ninguém vai lembrar dela com este nome chato, de livro mofado.
            Falta pouco para chegar à cidade. Escurece. Fina chuva torna triste o fim de tarde, naquela cidade que escolhera por emoção e quase nenhuma razão.
            Tentava se lembrar quem lhe dera café nesta manhã. Não era a primeira vez que terminava a noite, caído atrás do banco da praça.
            − Seu Delé? Doutor Delé? Alguém gritava para ele, seu apelido, nome noturno. Tentava lembrar quem era tal criatura. Café tomado na mesma mesa da noite passada. Enquanto procurava o paletó para iniciar uma nova jornada de trabalho. Doutor Ivandel novamente. Claro, até cinco da tarde. Depois, Delé, sem qualquer desconto.
            A ressaca o impedira de ir em frente. Decide subir a serra para ouvir um posseiro sobre problema de demarcação de terra, ante uma denúncia policial que não parecia coerente. Boa idéia pensara. Curaria a ressaca na viagem. Voltaria para os amigos logo mais à noite.
            A fina chuva volta a castigar, já na entrada da cidade. Frio. A tênue luz da Rua Maria Alves mal ilumina. O silêncio do deserto de paredes contrasta eco do trote. Ferradura contra lisos paralelepípedos. Sente-se deprimido. Direto para casa. Não era um lar. Ninguém o espera, já faz muito tempo.
            − Não deveria ter largado a todos! Balbucia, enquanto passeia imagens de uma bela casa paulistana. Tivera um lar. Enterra a cabeça no travesseiro. Amanhã, a rotina que o fizera romper amarras sociais, profissionais e familiares, recomeçará novamente. Um ato tresloucado pago em infindáveis prestações de uma vida sem futuro.
                                                                                                          [1] Mestre em Transportes
Professor de disciplinas de Transportes da FEI
Fundação Educacional Inaciana





DEVAGAR
  Chimenia Bernardelli Rebouças
Eu leio tudo que posso, ouço e vejo de tudo, penso sobre muitas coisas, não conto dúvidas, nem certezas, mas contabilizo sorrisos, não discuto motivos, não entendo as perdas, nem os ganhos. Não sei por que as coisas acontecem, elas acontecem. Não preciso de explicação para o amor, nem para o ódio. Mas quero desvendar o que é, de fato, a indiferença, a ausência e por que existe mentira e dor. Não pretendo criar soluções, espero perceber os problemas, afastar as loucuras, multiplicar os valores, ser o mais simples possível e ter coragem. A mesma coragem de sempre, que andei esquecendo por aí. Quero produzir arte, transformar o mundo, conseguir me esconder de vez em quando, ter liberdade de ser quem sou e não precisar me proteger de ninguém, nem de nada, só abrir os braços e receber o que me cabe dessa história. Desconfio que tenho vivido um grande sonho, paradoxo, complexo, instantâneo. Tenho arriscado pouco, jogado muito, empatado demais. E eu que era acostumada ao mata-mata. Um dia ainda chego cedo para quem tem vivido num atraso completo. Eu ando devagar.




A LONGA VIAGEM
 Renato Ladeia

            O cine Boreal em Rudge Ramos ficava em frente a uma pracinha e do outro lado uma capela, a primeira do bairro e provavelmente a mais antiga da cidade, construída pelos imigrantes italianos no início do século passado. O pequeno cinema era o máximo para um menino que passava uma eternidade olhando os cartazes das próximas atrações. Os faroestes eram os prediletos, principalmente com Cary Cooper, John Wayne e Glen Ford.
Tinha uns dez anos quando foi encarregado pela família para levar o almoço do pai que trabalhava ali próximo. Na ida apertava o passo para não chegar atrasado, mas no retorno, tinha a vida inteira pela frente para curtir o bairro. E seus pés eram guiados pelos olhos e a imaginação. Começava por um pequeno regato que passava em um terreno baldio no caminho da fábrica. Com uma latinha, num dia de sorte, pegava uns girinos. Tirava os sapatos e colocava os pés na água limpa e fria. Era uma sensação deliciosa, principalmente nos dias de calor. De lá seguia em direção ao cinema e depois uma relaxadinha nos bancos da pracinha em frente à capela, uma igrejinha pintada em amarelo ocre, bem desgastado, que envelhecia quando seus olhos se espreguiçavam nela.
Quando tinha uns trocados, seu programa imperdível era passar pelo bar onde se vendia sorvetes de máquina, que por falta de opção considerava a maior delícia do mundo. Os sabores eram sempre os mesmos: morango, abacaxi, groselha e coco.  Mais tarde descobriu que eram horríveis. Em seguida fazia uma expedição por uma chácara abandonada, povoada de belas castanheiras portuguesas, ao lado do grupo escolar Otílio de Oliveira. Lá descobriu, entre os arbustos, os doces morangos silvestres que muito tempo depois soube que eram framboesas. Algumas vezes topava até com umas cobras pelo caminho, mas a aventura era bem maior do que o medo e o fato servia para contar vantagem para os outros meninos da rua. Nos dias quentes, uma refrescada no chafariz em frente ao colégio recuperava suas forças para prosseguir a jornada.
Antes de chegar em casa, atravessava o Ribeirão dos Meninos e gastava bons pedaços das tardes a olhar a água correr numa mesmice sem fim.  Naqueles tempos a água ainda era limpa e não havia sido contaminada pelas indústrias e esgoto doméstico. As tardes seriam eternas se não fossem as broncas da mãe que não conseguia entender como ele conseguia chegar em casa tão tarde no retorno da fábrica. Ele deveria levar no máximo uma hora para ir e voltar, mas as aventuras pelos campos, rios e florestas consumiam horas para serem atravessadas no retorno. Além de tudo, ainda havia o olhar de alguma garota pelo caminho. Uma delas ficava sempre no portão quando ele passava. Durante vários dias ensaiou uma conversa, mas sempre faltava coragem. Passava devagar, devagar, mas quando chegava bem próximo, acelerava o passo e mal olhava para a pequena. Uma vez levou uns gibis na mão para puxar conversa na volta da fábrica, mas não deu certo. Quando estava passando, ela perguntou: “Posso ver os gibis?” É claro que concordou. Mas quando ela estava espiando as revistas, a mãe dela gritou e ele saiu em disparada. Ficou sem as revistas e perdeu a sua primeira paquera, pois ela nunca mais esperou no portão. Depois, lamentou profundamente pelos gibis do Rock Lane, Zorro e Capitão Marvel.
Aos dez anos e no terceiro ano do curso primário, aprendeu na prática, as primeiras lições de economia. Um colega do pai achou que seria interessante que ele aproveitasse e trouxesse também o seu almoço em troca de um pagamento mensal. A idéia de otimização da logística de entrega era bem interessante, pois ele passou a ter uma pequena renda apesar das dores nos braços por carregar duas bolsas. O rapaz era casado recentemente e sua doce mulherzinha queria agradá-lo, exagerando no peso da bolsa. Às vezes ele reduzia o peso saboreando uma ou outra fruta do seu “patrão” pelo caminho.
Mas o menino cresceu e o bairro mudou. Os terrenos baldios e chácaras foram loteados, o pequeno riacho canalizado, a capela foi demolida e o cine Boreal, outrora palco de eletrizantes aventuras pelo velho oeste americano, transformou-se num mercado sem nenhuma graça. O Ribeirão dos Meninos virou um esgoto a céu aberto e os restos de matas em suas margens se transformaram em avenidas marginais, que inundam nas chuvas fortes, quando o rio reivindica seu espaço roubado. As suas paqueras também cresceram e ficaram sem conhecer um menino sonhador e romântico.
O bairro perdeu os seus encantos e sua memória. As lembranças daquela bucólica paisagem de outrora, com a praça, a igrejinha e o cinema ao lado, tornaram-se apenas uma fotografia que vai perdendo as cores em sua memória e provavelmente desaparecerão com ele.
Ao passar hoje pelo mesmo caminho, ele não é mais o menino ágil e curioso, mas um velho sem esperanças e com medo do futuro. As ruas movimentadas e poluídas são imagens distorcidas de um passado que não retornará. Ele observa os velhos nos portões, que talvez como ele, também se divertiam no velho bairro. Enquanto sonha em sua caminhada, quase é atropelado por um carro que transita rápido pela avenida e o motorista arrogante ainda grita:
- Olhe por onde anda seu velho gagá.





O verdadeiro significado do egoísmo

Felipe Cancherini Silveira
Parece fácil falar que somos politicamente corretos, que sabemos compartilhar nossas coisas sem algum tipo de problema. Não me espanta saber que pessoas cometem loucuras ao não conseguirem atingir seu próprio objetivo, já que no mundo em que vivemos, ou melhor, no país em que vivemos, a desigualdade e o egoísmo reinam há um bom tempo.  
Desde pequenos não nos acostumamos a ouvir uma palavra forte: O “NÃO”. Esperneamos, choramos e ficamos emburrados, até conseguirmos o que tanto desejamos naquele momento. É triste saber que o ser humano não condiz com o seu egoísmo, nega a preferência de suas próprias ações. O medo de perder aquilo que ele afeiçoa ou muito mais, o medo de saber que não é competente para ter algo ou alguém perto dele, faz este ser condicionado cada vez mais fechado e violento, tendo como a ironia sua principal “arma”.  
A pura verdade é que gostamos mais de nós mesmos do que do “próximo”, apesar de nos apaixonarmos com uma facilidade imensa... Já realizamos votos amorosos pelas próximas décadas e se apenas uma coisa sai errada, o mundo se transforma em um, apenas em um globo com massa caótica. Perdemos todas as estribeiras com negações rebidas no dia a dia, o que pode parecer ridículo para outra pessoa, é completamente necessário para seu mundinho particular e fútil.  
Não é fácil compreender a particularidade do nosso comportamento egoísta, já que por natureza, as maiorias dos habitantes deste enorme planeta preferem observar a vida do seu vizinho, ao invés de prosseguir com sua própria jornada. A ciência pode provar os métodos corretos, assim como cada religião específica,mas não cabe a ninguém julgar ambas.Estou dando apenas meu ponto de vista. 
Aluno de Administração de Empresas
Período: Noturno
Campus: SBC

Ciclo: 4º 


Aquela menina não está sozinha

Juliana Zocatelli

Exagerado - Cazuza

Amor da minha vida
Daqui até a eternidade
Nossos destinos foram traçados
Na maternidade

Paixão cruel, desenfreada
Te trago mil rosas roubadas
Pra desculpar minhas mentiras
Minhas mancadas

Exagerado
Jogado aos teus pés
Eu sou mesmo exagerado
Adoro um amor inventado

Eu nunca mais vou respirar
Se você não me notar
Eu posso até morrer de fome
Se você não me amar

Por você eu largo tudo
Vou mendigar, roubar, matar
Até nas coisas mais banais
Pra mim é tudo ou nunca mais

Exagerado
Jogado aos teus pés
Eu sou mesmo exagerado
Adoro um amor inventado

Que por você eu largo tudo
Carreira, dinheiro, canudo
Até nas coisas mais banais
Pra mim é tudo ou nunca mais 

Difícil é contar a própria história sem saber ao certo o seu contexto. Então, contarei minha versão. 
O ano era 1990 e o mês era setembro, quando nascia um bebê, gerado em meio ao verão, sem que fossem medidos sequer os atos e as consequências que viriam a acontecer. 
Pois bem, as consequências vieram e aos 14 anos, decidi procurar pelo meu pai, do qual não tinha nenhuma notícia, aliás, nunca haverá notícias dele. Comecei, então, pelas informações que minha mãe tinha sobre ele que eram apenas duas: seu nome e o banco em que havia trabalhado em São Paulo. Continuei minha busca pelas redes sociais (orkut, facebook etc) e conversei com pessoas que o conheceram no seu antigo emprego, porém, não obtive sucesso, aquelas pessoas não haviam mantido contato por muito tempo com ele. Dois anos depois, não tive sequer algum resultado.  
Então, sem vitória alguma, senti uma sensação de derrota, afinal, ninguém havia o conhecido e minha procura estava longe de ser concluída. Foi neste momento, em um dos dias mais difíceis, aquele do qual pensei em desistir e conter-me com a ideia de nunca o conhecer, que a música Exagerado, do Cazuza, mudou minha percepção de ver as coisas, de acreditar que posso chegar onde eu quiser, mas que para isso é necessário dar valor a quem realmente esteve o tempo todo comigo. 
Minha mãe, percebendo a tristeza em que eu me encontrava por não ter conseguido nada a respeito, pediu que eu ouvisse essa música, dizendo que assim é o seu sentimento por mim, “um amor exagerado, iniciado na maternidade, mesmo que sozinha e sem apoio”, segundo suas próprias palavras. Todo esse amor que eu recebo é a parte mais importante dela e minha também, mas consegui enxergar, diante do som do Cazuza, o quão importante é para ela que eu entenda que é por mim que ela respira ou deixaria de respirar.  
Percebi, também, que mesmo se eu nunca encontrar meu pai e nunca conhecer a outra parte da minha família, ela sempre será a mulher que é MÃE e PAI, que tudo fez e faz por mim. Teve forças para superar pelos maiores desafios, afinal, largou e larga tudo por essa filha. Mais importante, percebe nos pequenos detalhes e o tempo todo do que eu preciso, como a música do Cazuza que me mandou em um dia difícil.  
Sempre que a escuto tocar, sinto uma sensação diferente daquela de derrota. Agora é a alegria e a vitória que toma conta do meu coração. Sinceramente, sei que posso nunca conhecer aquele que me rejeitou, mas não me importo mais, porque sei, também, que tenho em uma única pessoa tudo o que preciso: o maior amor, aquele que ninguém nunca irá oferecer, pelo menos, não na mesma intensidade. 
Foi com o eterno Cazuza que a minha exigência foi cumprida, afinal, nunca estou  sozinha e não fiz nada para receber tanto amor e carinho sem que haja alguma intensão por trás de tudo.
Aluna de Administração
Semestre: 3º
Unidade: SBC
Ano Vigente: 2012

Transporte Y Emoción

Creso de Franco Peixoto 
Dos importantes noticias de Chile ganaron mundo en 2010. La primera, con contornos de razón y conocimiento. Chile ofrece el mejor sistema de transporte en América del Sur, proporcional al volumen transportado y la dimensión territorial.Puerto de Valparaíso. Un punto del contorno de riqueza del comercio ultramarino, en la ciudad escenario de películas que eternizaran los ascensores para sus altiplanos. Hermosa vista de la habitación de Pablo Neruda, hoy museo ícono de la potencialidad ciudadana en transportes. La ruta hasta la capital, calidad y seguridad de viaje garantizadas mismo bajo diferencias de opiniones sobre el peaje.              
Entre Santiago y Rancagua, ferrocarriles que garantizan la esperanza de nuevos tiempos económicos para sus habitantes. Ayuda evitar más concentración humana en la capital, una de las grandes cuestiones del país. Estos ferrocarriles conducen vida a la región más al sur, donde el hielo hace el escenario para otro vector económico. El turismo.   
Isla de Pascua Y Atacama. Dos lugares tan distintos para el turismo. Despiertan  emociones. Transporte aéreo sale fortalecido en función de grandes barreras de acceso, el mar y los Andes. La fusión de LANCHILE con la brasileña TAM refuerza la idea que hasta el gran país cercano tiene interés y necesidad por los sistemas de transportes Chilenos.          
En la capital, el único representante de un sistema de Metro en América del Sur: soportado por neumáticos. Permiten más flexibilidad a la línea y silencio, a respecto del costo operacional en relación a llantas de acero sobre carriles. Peaje urbano, nacido en Singapur en 1985, otra novedad sudamericana. Despierta fuertes opiniones, pero garantiza movilidad urbana. Su tasa equivale a la del agua.  Gasta mucho,  sobreprecio según escasez. Hay también escasez de movilidad en los días de hoy. Peaje urbano, restricción al vehículo más impactante al medio ambiente. Coche. En Brasil, la ley del Sistema Nacional de identificación vehicular (SINIAV) obligará el uso de TAG, un chip adherido en los parabrisas. Permitirá la adopción del peaje urbano Brasileño. No es difícil comprender porque su gobierno evita hablar mucho sobre ello.             
Ahora, la segunda noticia sobre transportes. El rescate de los 33 mineros en el Atacama. Monumental esfuerzo de técnicos y ingenieros para compensar el improviso. No había referencia en las normas internacionales. El hecho  generará reflexión de todos los especialistas. Evento contornado por emoción y creación. La imagen que ganó el mundo para siempre: la rueda arriba del cable que soportaba las cápsulas Fénix. En movimiento, esperanza familiar correspondida por toda una nación. Imágenes que amenizan la amargura vivida en países que sufren con guerras, gobiernos tiranos o cataclismos de la naturaleza, el único evento que nosotros no podemos evitar.

Autor é Ingeniero y Maestro en Transportes
Profesor del Curso de Ingeniería Civil da Fundación Educacional Ignaciana
Ano: 2008


A felicidade está no céu
Juliana Zocatelli 
Alguma vez já lhe perguntaram qual o pior sentimento do mundo? Ou qual foi a “coisa” que mais se arrepende de não ter feito? E de ter feito? Se em algum momento da vida gostaria de voltar no tempo? 
Nunca fora me perguntado isso, mas recentemente descobri, sozinha, aos 21 anos de idade, qual a situação de que mais me arrependo de não ter feito ou, pelo menos, de ter feito maiores esforços para conseguir fazer o que deveria de ter feito. Agora, já não poderei fazer e, nem ao menos, tentar fazer! 
Consta aqui uma vida que gostaria de ter vivido, companhias que gostaria de ter ao meu lado, dores que gostaria de ter sentido, sem problemas, afinal, todos sofrem. O difícil é ter de sofrer de longe e ver outra pessoa (ou outras) que amamos, também, precisando sofrer à distância, sem escolha alguma. 
Poderia ter me dedicado mais àquela família que não era minha, ou era? Ao certo, não sei, mas o coração diz que sim. Então, de fato, era a minha e de minha mãe que, após perder o grande amor da sua vida prestes a subir ao altar, fora “adotada” por todos daquele lugar, uma cidade do interior, Lins, como membro da família. Principalmente, pela minha avó e meu avô (já que decidi aqui mesmo que são minha família, devo chamá-los desta forma: avó, avô, tio, tia, primos,...). 
Minha mãe não era nora, prima, e outros conotativos parentescos, mas era de coração, de alma. Claro, já que Eduardo, seu falecido noivo, era filho daquela senhora, Dona Alda (no meu caso, avó Aldinha) e de Sr. Raimundo (novamente, no meu caso, avô Raimundo). 
E quando digo que somos da família, estou certa! 
Avó Aldinha e avô Raimundo, após a morte de Eduardo que, sem duvidas, era um dos filhos mais amados, ficaram desconsolados, sentindo-se abandonados e solitários. Minha mãe, Marisa, não se sentiu diferente. Sofreu por meses e meses, cuidando dos ex sogros, abandonando quase que a sua própria vida para cuidar daqueles pais que por mais que passassem os meses, anos, não superavam aquela perda. 
A amizade entre eles, com os meus avós, meus primos, minhas tias, continuaram pelos próximos 7 anos após o falecimento de Eduardo. Até que em setembro de 1990, eu vim ao mundo e não fora diferente, todos da família que moravam em Lins diziam que havia nascido mais uma neta, mais uma sobrinha e mais uma prima. Afinal, eu já era da família mesmo antes de pular do ventre de minha mãe! 
Meu verdadeiro pai resolveu não cumprir com suas obrigações. Sim, ele simplesmente “resolveu” que não queria a filha que ele mesmo havia gerado. Decidiu isso assim como quem resolve se quer comprar naquele ou em outro mercado, como resolve se quer ou não comer aquela comida, como resolve se quer ou não trocar de emprego, como resolve se quer ou não trocar aquela camisa.... Enfim, ele resolveu deixar minha mãe cuidar sozinha de um bebê e ela fez isso muito bem, além do mais, eu tinha a minha família, aquela de “verdade” por parte de mãe e aquela de “mentirinha”, também, por parte de mãe e de seu falecido noivo. 
Os anos se passaram e junto à mamãe íamos visitar frequentemente meus avós, meus tios, tias e primos em Lins, lugar bom para se morar, calmo, ensolarado e distante. 
Desta forma, o contato entre nós permanecera e eu crescera dizendo que tinha uma avó e um avô tão carinhosos e cuidadosos que não gostaria que mal algum acontecesse a eles. 
Porém, as coisas começaram a mudar quando me formei no colegial, completei os 18 anos e arrumei um emprego em uma loja no shopping. A vida social havia acabado, os descansos e viagens até Lins ou qualquer outro lugar não se repetiam mais com frequência, na verdade, com nenhuma frequência. Todos sabem que trabalhar no comércio não é fácil e que muitas das coisas que fazíamos começam a serem deixadas de canto, como visitar os familiares, amigos, ir a festas, voltar a estudar... 
Após 2 anos trabalhando na mesma loja, porém em outro shopping, recebemos a notícia de que minha avó Aldinha estava doente, câncer no pulmão. Ela que já estava com mais de 70 anos (sendo 50 anos casada com meu avô Raimundo), do primeiro câncer não conseguiu se curar,  este voltou, com mais força do que nunca e após dois anos lutando e relutando contra esta doença tão ingrata, não resistiu e foi morar lá no céu, momento tão esperado por ela: iria encontrar-se com Eduardo, aquele falecido noivo de minha mãe e filho de vovó. Agora ela estaria feliz, mas amava aquele velhinho com quem estava casada há mais de meia década e seus outros filhos também, tentou ficar por aqui, mas não aguentou a saudade daquele filho que se fora tão novo. 
Avô Raimundo ficou desolado, mais uma vez sentindo-se abandonado e sozinho, mesmo que recebendo todo o carinho de seus filhos e de uma cidade inteira, não conseguiu disfarçar a sua profunda tristeza. Era certo que eles brigavam o dia todo, eram faíscas e mais faíscas para cada palavra que um falava, mas não viviam um sem o outro, não dormiam longe um do outro e se amavam muito. 
Eu, como estava trabalhando de segunda-feira a segunda-feira, folgando apenas a cada 15 dias, não me comportei de maneira esperada por ela, pois não a visitei quando estava de cama, lutando contra o seu câncer. 
No enterro revi todos, e por sinal, estava morrendo de saudades, inclusive das primas, tias, tios e principalmente do vovôPassei o fim de semana lá, no rancho da famíliaQuando voltamos, prometi que iria visitá-los SEMPRE que pudesse, pelo menos a cada dois meses e o fiz? Não! A verdade é que pensava nele e em toda a família todos os dias, e sentia saudades, gostaria de ligar, mas não o fazia. 
Resolvi, então, sair do meu emprego e procurar outro, pois este não estava apenas prejudicando minha saúde, mas estava, também, prejudicando meus estudos (voltei a estudar 6 meses antes), meu namoro (que conheci na faculdade), meus relacionamentos com amigos e família. 
Ao deixar o emprego e finalmente conseguir um estágio, resolvi que iria a Lins, visitar meu vovô, pois alguma coisa me dizia que não o teríamos aqui por muito tempo. E o fiz? Não! 
Mais uma vez não deu tempo. Minha mãe e eu iríamos nas férias da faculdade. Porém, recebemos a notícia de que aquele Sr. Raimundo falecera há 5 meses  e não haviam nos avisado. Portanto, não podíamos visitá-lo nem mesmo em seu enterro. 
Ele não aguentou esperar mais nenhum segundo para encontrar com seu amado filho Eduardo, do qual não havia superado a perda, e sua eterna amada Dona Alda.  
Sei que os três estão felizes no céu. Agora sim, estão juntos, consigo imaginar todos sorrindo, de mãos dadas, como esperaram por tanto tempo. 
Mesmo assim, me arrependo e não consigo imaginar maior sofrimento do que este que sinto no momento, aquele de não ter feito o que prometi, de não poder cuidar da minha avó e de não ter visto pela ultima vez meu avô. Não conheci Eduardo e mesmo que eu tenha nascido 7 anos após a sua morte, sei que ele, diferente daquele que tenho o mesmo sangue correndo pelo meu corpo, seria um ótimo pai, carinhoso, atencioso, e ele sim, sentiria uma felicidade imensa ao me ver nascer. 
Quando sinto-me triste e solitária porque sei que aqueles dois velhinhos rabugentos, porém carinhosos e amorosos, não estão aqui para que eu possa dizer o quanto os amo e  o quanto agradeço por terem me feito sua neta, lembro de que, enfim, a felicidade está no céu!

Aluna de Administração
Semestre: 3º
Unidade: SBC
Ano Vigente: 2012


Einstein continua certo!



María Esmeralda Ballestero Alvarez

Quando fui entrevistada no processo seletivo para o programa de doutorado, perguntaram-me por que eu não escrevera até então um artigo científico. Humildemente declarei que era devido a dois motivos: primeiro, nunca fora solicitado que o fizesse; segundo, não sabia como se fazia isso e nem em que consistia exatamente escrever um artigo científico. 
Nestes últimos doze meses (tempo que levo no doutorado), ao longo de diversas disciplinas cursadas e vários docentes que se esforçaram por me ensinar a fazer isso (ou seja, escrever um artigo que se diga minimamente científico) chego a conclusão que continuo sem saber como se constrói um artigo científico. Melhor dizendo, se isso que estiveram esse tempo inteiro tentando me fazer “fazer” é elaborar um artigo científico, sinto muito, mas chego à conclusão que não quero escrever artigos científicos. 
Dizem que somos escravos dos índices, das quantidades, da produção, da pontuação; como é mesmo a frase? “Publique ou pereça”, não é isso? Então, prefiro ficar onde estou. Chego à conclusão que não quero escrever para uma elite minoritária, esforço de um trabalho hercúleo para produzir 15 ou 18 páginas para que 200 ou 300 pessoas leiam (e critiquem claro! E achem um monte de defeitos! Ora, pare de criticar, vá lá e faça você!), sou uma pessoa comum e normal, escrevo para pessoas comuns e normais como eu; não faço parte da elite, não nasci numa manjedoura, mas morei no cortiço (sim, porque na época que eu era criança não existia ainda a favela), sai de lá estudando com muito esforço, trabalho, dedicação e sacrifício (de meu pai – em primeiro lugar – e meu). É para essas pessoas que escrevo, pessoas iguais a mim. Pessoas que sabem quanto custa comprar um caderno, quanto custa esperar pelo livro da biblioteca que o colega ainda não devolveu e você tem de estudar para a prova. 
Quanto pesa nos ombros e na alma trabalhar o dia inteiro na empresa, tomar um ônibus lotado para chegar (atrasada, claro!) na escola para a aula da noite, sair de lá depois das 22:30h, tomar outro ônibus para ir para casa e ver se sobrou jantar. É para essas pessoas que escrevo, procurando que o livro saia o mais enxuto possível, para que custe pouco e possam comprar (porque, caso contrário, farão cópias!). 
Dizem que somos escravos dos índices. Somos mesmo? Ou nos fazemos? De quem é a responsabilidade por esse estado de coisas? Do Governo? Das Instituições? Da Classe? Da Categoria? Ora, mas acontece que o governo somos nós, as instituições, a classe, a categoria somos nós, estamos dentro deles, fazemos parte deles, votamos suas normas, suas leis, seus regimentos. Portanto, a responsabilidade é nossa, nós é que nos algemamos confortavelmente nessa coisa que chamam “produção científica”. Mas, afinal o que é a produção científica? Escrever para repetir o discurso do outro com outras palavras, mesmo que essa repetição pouco ou nada tenha a ver com o que estamos fazendo, mas não tem importância, cite, cite muito (de preferência coisas de fora, nacional não vale!), isso demonstra erudição. Erudição?! Creio que cheira mais a comodismo. Repetir por repetir, seria capaz de escrever um artigo inteiro apenas tomando como base a bula de um remédio (sou craque nisso, tenho muitos em casa) e seria considerado científico, certamente, pois tem teoria, pesquisa, investigação, experimentação, estatísticas, variáveis, um monte de nomes complicados de se pronunciar e tudo o mais que um “bom” artigo científico deve ter. 
Por coincidência esta semana assisti a uma entrevista de Miguel Delibes (se não o conhece aconselho que leia qualquer coisa dele – por exemplo: Cinco horas com Mário, Os Ratos, Os Santos inocentes – qualquer texto dele é fantástico) e ele do alto de sua humildade me disse “quero que as pessoas me entendam, não quero escrever para poucos porque isso é enclausurar o conhecimento, quero escrever para muitos”. E o que fazemos nós em nome da ciência? Escrevemos para uma pequena elite minoritária “privilegiada”, obliteramos, ocultamos, escamoteamos o conhecimento em nome de uma falsa “produção científica”. 
Dizem que a ciência se caracteriza por ser refutável e falível. Será? Que eu saiba nada existe mais falível do que o horóscopo que é publicado diariamente nos jornais e ele está longe de ser ciência, para comprovar isso é suficiente guardar a coluna de qualquer jornal por uma semana e compare com o ocorrido. Aliás, isso daria um ótimo artigo científico, você não acha? Por que não? A partir do momento que o CERN (observatório europeu de pesquisa nuclear) chega à conclusão que as órbitas dos prótons nos 27 quilômetros do LHC (corredor Hadron de colisão) devem ser ajustadas periodicamente para considerar o efeito gravitacional da lua, por que a mesma lua não pode interferir nos “destinos” dos seres humanos? Aliás, foi uma declaração do sr. Sergio Bertolucci (diretor científico do CERN) comentando alguns experimentos que tentavam provar que Einstein estava errado em sua teoria da relatividade e que os neutrinos podiam ser mais velozes que a luz, que me incentivou a escrever este manifesto. Conclusão: os experimentos do CERN estavam errados. Einstein continua certo! 
Como diz o povo: uma andorinha não faz verão. Minha esperança é que outras se reúnam a este vôo solitário. 
(Quantos artigos científicos Einstein escreveu e publicou em “jornals” categoria A1?)

Comentário:
7 de agosto de 2012 16:28 - Esmeralda, minha cara, seu texto é bastante corajoso e nos incita a pensar nossa atuação como professores e pesquisadores. Abraço, Giselle.


Números amigos: inteligência e curiosidade!

Professor Raul Rodrigues
A história da afinidade entre os números 220 e 284 é bastante antiga. De onde ela vem? Vem da relação existente entre eles e seus divisores. A soma dos divisores de 220 (1, 2, 4, 5, 10, 11, 20, 22, 44, 55, 110) dá 284. E a soma dos divisores de 284 (1, 2, 4, 71, 142) dá 220. Na Idade Média, esses números, denominados de números amigos, foram muito cultuados. Gravados em diferentes materiais, eram vendidos como talismãs. Era também uma prática dos casais gravá-los em frutas para consumo como afrodisíacos. Viagras da Idade Média, imaginem! 
Durante muito tempo não se conhecia nenhum outro par de números amigos até que, em 1636, Fermat descobriu o par 17.296 e 18.416. Mais tarde, Descartes descobriu um terceiro par: 9.363.584 e 9.437.056. Posteriormente, Euler, que adorava brincar com números, encontrou mais 62 pares de números amigos. Leonard Paul Euler (1797-1783) foi um grande matemático suíço de língua alemã que passou a maior parte de sua vida entre a Rússia e a Alemanha. 
Fato digno de nota foi a descoberta, em 1866, por Niccolò Paganini, um jovem italiano de 16 anos, do par 1.184 e 1.210, que, curiosamente, passou despercebido por todos aqueles matemáticos famosos. Esse jovem teve um homônimo que revolucionou a arte de tocar violino: Niccolò Paganini, compositor e violinista, nasceu em Gênova, no dia 27 de outubro de 1782, e morreu em Nice, na França, em 27 de maio de 1840. 
Com base no conceito de números amigos, matemáticos do século XX ampliaram a ideia para um "círculo de números amigos ou sociáveis", formados por três ou mais números. É o caso do círculo formado pelos números 12.496, 14.288, 15.472, 14.536 e 14.264. A soma dos divisores do primeiro é igual ao segundo número; a soma dos divisores do segundo dá o terceiro, e assim por diante até o último, cuja soma dos divisores dá o primeiro, "fechando o círculo". 
Vejamos algumas outras curiosidades sobre números. Número excessivo ou abundante é o número cuja soma de seus divisores (excluído o próprio número) é maior do que ele mesmo. Por exemplo o 12, pois a soma de seus divisores somados (1, 2, 3, 4, 6) dá 16. 
Número perfeito é aquele cuja soma de seus divisores (excluído o próprio número) é igual a ele mesmo. Por exemplo o 6, cujos divisores somados (1, 2 e 3) totalizam 6. 
Número defectivo ou deficiente é um número cuja soma de seus divisores (excluído o próprio número) é menor do que ele mesmo (por exemplo o 10, pois 1+2+5 = 8). Hoje, por causa dessa hipocrisia dopoliticamente correto, ele poderia ser chamado denúmero portador de deficiência! 
Número levemente imperfeito é aquele cuja soma de seus divisores é o próprio número menos a unidade (por exemplo: 4, 8, 16, 32 etc). Ou seja, todas as potências de 2 com expoente igual e maior que 2. 
Já imaginaram um número que se situasse entre um quadrado e ou cubo? Pois é, esse número é o 26 (provado por Fermat) já que se encontra entre um quadrado (25, cinco ao quadrado) e um cubo (27, três ao cubo). 
O número 69 é o único que existe cujos algarismos que compõem seu quadrado e cubo englobam números entre 0 e 9 sem repetição (69 elevado ao quadrado é igual a 4761 e elevado ao cubo é igual 328509). Ou seja, o 69 é um número bem peculiar. 
Vamos, agora, falar sobre um tipo de números de minha predileção: expressões ou números palíndromos. Palíndromas são palavras ou frases que são iguais quando lidas, de forma conveniente, nos dois sentidos. ROMA ME TEM AMOR! SOCORRAM-ME SUBI NO ÔNIBUS EM MARROCOS! Podemos observar que, da direita para a esquerda, as letras, juntadas ou separadas convenientemente, formam a mesma frase. WAS IT A CAN ON A CAT I SAW? É um exemplo, em inglês, de frase palíndroma em que as letras são as unidades. Esses exemplos são de palindromidade clássica, por serem as letras tomadas como unidades. Também existem palíndromos em que as palavras são as unidades. 
Os números, assim como as letras, também são símbolos, e um número palíndromo (ou capicua) é aquele que é igual selido em qualquer sentido. O uso do termo palíndromo, aqui adotado para números, é mais comum em Portugal. Exemplos: 12321, 91019, 55555, etc. 
Existem várias outras particularidades sobre os números palíndromos. Uma delas é que todo número palíndromo com um número par de dígitos é divisível por 11, ou seja, o resto da sua divisão por 11 é zero. Vamos exemplificar:  
731137 (número palíndromo com seis dígitos  
95344359 (número palíndromo com oito dígitos)
Se dividirmos qualquer um desses números por 11, o resto será zero. Vale lembrar que podemos saber se um número é divisível por 11 procedendo da seguinte forma: 
Somamos os algarismos de ordem ímpar.
Somamos os algarismos de ordem par. 
Se a diferença dos números obtidos for zero ou um múltiplo de 11 (positivo ou negativo), o número será divisível por 11. 
Hoje ficaremos por aqui. Lembramos, porém, a todos os distraidos do pedaço que em Brasília muito números curiosíssimos se manifestam: em termos monetários, mais do que óbvio!


A pele  de jaguatirica

Professor Renato Ladeia

Era uma vez
Um Czar naturalista
Que caçava homens
Quando lhe disseram que se caçavam
Borboletas e passarinhos
Achou uma barbaridade (Drummond)

José Pereira era um hábil caçador e nos tempos em que no oeste paulista ainda havia matas virgens, ele se embrenhava por elas para caçar. Não usava armas de fogo, apenas um longo punhal, muito afiado. Era filho de escravos africanos e talvez tenha aprendido com seu pai a arte dos seus antepassados que assim caçavam leões nas savanas africanas.  Todos que o conheciam adoravam sua elegância, simplicidade e simpatia. Tinha sempre em mãos balas e guloseimas para presentear as crianças. Sua casa, que ficava perto da estrada, era repleta de flores e um pequeno pomar, onde a molecada se deliciava nas épocas em que as frutas entravam em tempo de madureza. Ele não se incomodava e tinha prazer e ver sua casa repleta de crianças.  Como era um caçador suas paredes ostentavam peles de animais esticados. Quando criança, nunca cheguei a pensar naquilo como uma crueldade, mas apenas uma coleção de troféus. Ele explicava sempre orgulhoso e com todos os detalhes como havia caçado cada um dos animais, relatos dos quais vou poupar meus nobres leitores. 
Ele também era hábil com as ervas que curavam enfermidades diversas e foi essa a razão pela qual se ligou à minha família. Minha irmã mais velha teve uma febre muito forte e alguém se lembrou de que o Zé Pereira era mestre em curar doenças. Chamado e já sabendo do caso, chegou com as suas ervas e em poucas horas a febre havia baixado e a maninha já estava brincando novamente. Foi daí que surgiu a amizade e a promessa de minha mãe que eu, que estava tranqüilo em seu ventre, seria batizado por ele, juntamente com uma prima solteira. 
Fui batizado conforme prometido e pouco tempo tive para desfrutar a condição de afilhado de um grande caçador, pois tempos depois nos mudamos para a capital e apenas nas férias escolares é que o visitávamos. 
Longos anos se passaram até que ele  apareceu em casa. Estava magro e abatido e pediu ajuda aos meus pais para se tratar de uma dor de estômago que depois se descobriu ser um câncer que o levou a morte em pouco tempo. Nesta ocasião ele trouxe-me de presente uma pele de jaguatirica que achei o máximo.  Longe dos olhares dos meus pais, colocava-o nas costas e assustava a garotada do bairro. Além disso, gostava de contar orgulhoso para uma platéia pasmada, como ele havia caçado o bicho, que para mim era uma onça, com muitos detalhes inventados para dar mais emoção. 
Com o tempo e já sabendo que a pobre jaguatirica já era um animal em extinção no Brasil, envergonhado, deixei a pele escondida em um armário, praticamente esquecida. Casei e nem pensei em levá-la, como também não tinha interesse em lembrar-me da velha pele até que o meu irmão caçula se ofereceu para ficar com ela como relíquia de uma espécie em extinção. Não pensei duas vezes e ele levou a pele com a promessa de não se desfazer dela. Fiquei feliz em ter me livrado de tão funesta lembrança, principalmente porque sabia que estaria em bom lugar e me livraria da responsabilidade nada ecológica de guardar tal troféu. 
Mas o velho couro já estava nas estantes do esquecimento, quando meu irmão faleceu e apareceu-me seu  filho com o butim e com o firme propósito de deixá-lo a mim como presente, pois não sabia o que fazer com ele.  Agradeci a lembrança e  me prontifiquei a guardá-la, mas nem comentei com ele  a história da pele. 
Pois é, o velho couro de uma pobre jaguatirica, morta por um velho caçador nas florestas do oeste paulista nos anos cinquenta está de volta às minhas mãos. Minha família acha um horror que ela fique sobre o sofá, como o couro de anta que o poeta Drummond trouxe de relíquia de Itabira. Meus amigos torcem o nariz quando vêem o troféu e alguns, mais radicais, se recusam a entrar na sala, tal a ojeriza que sentem. 
Como cúmplice inocente da crueldade, não tenho coragem de descartá-lo e tampouco dá-lo de presente. Por enquanto ele reina silencioso numa parede de um quartinho nos fundos da casa, sempre despertando em minha memória de que o homem é um predador terrível, que mata pelo simples prazer de ter um troféu em sua parede. Como também não terei a quem deixar a pele, já decidi colocar em meu testamento que o dito cujo seja levado comigo para a terra do nunca. Assim livrarei os meus descendentes de cometerem uma indelicadeza com o velho Zé Pereira, um homem elegante e amável, que também caçava onças, antas e jaguatiricas.

A senhora do piano

Professor Renato Ladeia
Aquela senhora tinha um piano, mas para que serve um piano? Diz um poema do Alberto Caieiro, heterônimo de Fernando Pessoa. Para mim que ao passar pela Rua João Pessoa e ouvia em meio ao barulho do trânsito o suave som de um piano, servia e muito para abrandar a aridez da cidade. Quem era a senhora do piano vim sabê-lo algum tempo depois. Era Odete Bellinghausen, a primeira professora de piano da cidade e em cujas mãos muitas crianças passaram para aprender as primeiras notas musicais. 
A cidade foi crescendo e a casa dela, que em temos passados desfrutava um ar ainda bucólico, transformou-se em passagem obrigatória de carros e pedestres. O comércio foi se ampliando e com ele mais movimento. Mas dona Odete, continuou o seu cotidiano entre o grande jardim com seus caramanchões e o piano. Um dia atiraram uma pedra pela janela, que quebrou a vidraça e caiu bem em cima do piano, um velho alemão de meia cauda. 
Aquilo era um aviso para que tomasse cuidado, pois já morava sozinha naquele casarão da década de cinqüenta. Mas ela era corajosa e não se intimidou, apesar de andar com dificuldade e com os sinais da idade alterando a sua percepção das coisas e do mundo. Estava presente em todos os eventos culturais da cidade. Lembro-me de uma homenagem que recebeu das escolas de música da cidade e como o mestre de cerimônia faltou, tive a honra de ler a sua biografia no teatro. 
Um dia a encontramos numa despedida de uma professora de música, Marlita Brandner Valilatti que estava se mudando para a Áustria. Como estava só, oferecemos uma carona e ela insistiu que entrássemos em sua casa para um café ou coisa assim. Concordamos, apesar do adiantado da hora. Ela queria um pouco de companhia e não tivemos coragem de negá-la. Apressou-se em mostrar suas coisas, os quadros que ela pintou sobre antiga paisagem da cidade, suas composições, como a Japonesinha Alegre da qual ganhamos uma cópia da partitura. Ela tocou com alguma dificuldade, pois as suas mãos já não obedeciam mais a sua mente ainda inquieta. 
Resolveu oferecer-nos uma bebida, um licorzinho caseiro, que também aceitamos. Mas ela trouxe três doses, inclusive para minha filha Mariane, com apenas dez anos. Desculpou-se, mas como o licor era bom, tomei as duas. Terminamos a visita com a sensação de que ela ainda queria conversar mais, contar causos, suas lembranças, suas memórias de uma mulher idosa que conheceu muita gente, que viveu fatos já apagados da história da cidade. Pensamos em voltar qualquer dia para fazer algum registro de suas memórias que em pouco tempo se apagaria para sempre, mas não cumprimos a promessa. 
Hoje a casa de esquina em que havia uma senhora que tinha um piano, é apenas um estacionamento, preservando apenas um muro original com seus balaustres de época. O som do piano ainda ressoa nas tardes frias de inverno, mas ninguém ouve. O aroma das camélias do seu jardim e ainda o doce sabor do licor de jabuticabas ainda estão presentes em minhas retinas fatigadas. O som dos mortos é inaudível e somente para aqueles iniciados na arte de lembrar sem ver e sem ouvir é possível dentro das impossibilidades.


Meia noite em Paris e meia noite na Paulicéia

Professor Renato Ladeia
Ao sair do cinema na Rua Augusta, depois de assistir o belo filme de Woody Allen, fiquei um pouco frustrado por não estar chovendo como na última cena do filme. A rua estava repleta de carros, com muito barulho, muita gente e em nada sugeria o clima de Paris nos anos 30, palco da trama desenvolvida pelo magistral cineasta. Mas resolvi caminhar um pouco para curtir o clima do filme enquanto aguardava uma carona. Cansado de esperar fui descendo a Augusta no sentido centro e aos poucos fui tomado por um clima diferente. Até hoje não sei se pirei ou se o mundo havia voltado no tempo. Estava em frente ao restaurante Gigetto, onde até hoje, muita gente famosa gosta de jantar depois das peças de teatro, shows ou mesmo para encerrar uma noite de trabalho. Lá encontrei há alguns anos atrás o humorista Ary Toledo, Chico Buarque, Marieta Severo e Elba Ramalho todos numa mesma noite. 
Logo que entrei vi sentado em uma mesa num canto o poeta e romancista Mario de Andrade, com sua calva avançada. Ele estava rascunhando alguma coisa, talvez um verso. Imagino que não era no guardanapo porque nos anos 30 ainda se usava de guardanapos de pano. Não importa se era numa folha de papel qualquer, mas ele estava escrevendo. Aproximei-me e ele muito solícito pediu que eu sentasse e começamos a conversar sobre sua obra, principalmente o seu famoso poema Paulicéia Desvairada. Fiquei bisbilhotando o que ele havia escrito no papel e ao notar meu interesse deu para que eu lesse. Era um poema numa linguagem típica dos caipiras paulistas: “Quando da brisa, num açoite/ A flor da noite/ Se acurvô/ Foi se encontrá com a Maroca/meu amor...”  E foi então que ele disse que se tratava de uma letra que estava fazendo para uma canção de um amigo, o Ary Kerner. Mário, depois de beber mais um pouco de cerveja, soltou-se e declamou os versos para mim, ante o olhar espantado de alguns freqüentadores circunspectos do restaurante. 
Enquanto conversávamos animadamente eis quem chega ao Gigetto: nada mais nada menos do que o futuro historiador paulista, Sérgio Buarque de Hollanda. Ele ainda era um sujeito magro, muito elegante com seu costume justo no corpo e um chapéu de palheta que levava à cabeça. Saudou-nos alegremente e disse ter gostado muito dos versos que o Mário havia lhe enviado na última semana para o Rio de Janeiro. Mário cuidou de apresentar-me ao seu amigo, mas ainda nem sabia meu nome: “Este é o senhor... “ Eu completei rapidamente dizendo meu nome e disse que estava tentando escrever uns versos e buscava na experiência do Mário de Andrade, algumas orientações e críticas. Nisso o Sergio, muito solícito, ofereceu-se, ele mesmo, para ler os meus versos e analisá-los. 
 - E o que faz na Paulicéia, Sérgio? Que bons ventos o trazem? Perguntou animadamente o Mário.
 - Vim resolver alguns negócios de família, mas devo retornar ao Rio, no final da semana. Contudo, antes quero encontrar com os amigos, ver uma ou outra peça de teatro, comprar alguns livros... 
- Você continua um inveterado comprador de livros. Eu também não posso falar muito, pois a minha biblioteca está entupida e não tenho mais lugar para guardá-los. 
- Não se preocupem, disse eu, um dia vocês deixarão para uma biblioteca pública que irá guardá-los com muito carinho. Disse pensando no futuro que já conhecia como a famosa biblioteca Mario de Andrade, que na verdade não tem cuidado  muito bem do acervo, mas não poderia desanimá-lo. Quanto à biblioteca do Sérgio, sabia que estava bem guardada na Unicamp.
 - E a saúde Mário? Ouvi dizer que você não tem andado muito bem. É algo sério? 
- Não sei se é sério. Isso só Deus sabe, pois os médicos entendem mais de cifrões do que de saúde. Mas sinto umas dores no peito que chegam e partem como a poesia. 
Ouvindo a conversa lembrei que o poeta Mário de Andrada morreria poucos anos depois, em 1944 e estávamos em 1938, ano da fundação do Restaurante Gigetto. Olhei com tristeza para o seu rosto sereno. Pensei em dar-lhe alguns conselhos, mas não sendo médico não sei se ele ouviria com alguma atenção, mas arrisquei: “Olha Mário, não gosto de dar palpites, mas pode ser o coração. Cigarros, muita gordura e vida sedentária podem entupir as coronárias e daí... O Mário cortou rapidamente a conversa dizendo “Viva a boa vida”, nada de dietas, nada de parar de fumar. São os prazeres que fazem a vida valer a pena”. 
 - E o livro Raízes do Brasil  Sérgio, como está sendo recebido pela crítica? 
 - Não sei não... Penso que o pessoal não entendeu bem a expressão “homem cordial”, com que defino o brasileiro. 
- Em pleno século XXI ainda há discussão sobre isso. Comentei sem querer, mas logo disse que era uma brincadeira e que quis dizer que provavelmente o livro provocaria polêmicas por muitos e muitos anos. 
Sérgio ficou interessado ao saber que eu havia lido seu livro e disse que gostaria de marcar um novo encontro para conversarmos um pouco mais sobre o assunto, pois nesta noite ele estava com um pouco de pressa, pois precisaria tomar o último bonde para se hospedar na casa de um velho amigo dos tempos de colégio. 
 -  E o Vinicius e o Drummond? Tem visto os dois no Rio? 
 - Ah sim, o Vinicius está mudando de estilo poético. Não é mais o poeta metafísico de antanho. Deu para escrever versos amorosos e sensuais. Mas são bons versos, não posso deixar de admitir. O nosso Vinícius tem uma sensibilidade rara, principalmente com relação ao sexo feminino. Quanto ao Drummond, aquele mineiro ensimesmado, que fala pouco, mas continua espreitando as saias das mulheres que vivem pela praia, coloridas pelo sol. Olhe só, parece que estou versando...  Vou anotar isso, quem sabe um dos meus futuros filhos resolva escrever versos e poderá aproveitar a idéia (risos). 
- Mas ouvi dizer que a amizade do  Drummond com João Cabral anda estremecida. Eles que eram tão amigos. O que será que houve entre os dois? Perguntou Mario de Andrade. 
 - Não sei não, meu caro amigo. Acho estranha essa conversa, pois o Drummond e a Dolores foram padrinhos de casamento do João. Estavam sempre a trocar correspondências. Bem... é certo que o Drummond, quando se trata de escrever cartas é mais econômico que o personagem avarento dos Mercadores de Veneza de Shakespeare. 
Nisso entrou no restaurante o Oswald de Andrade com sua palheta branca, elegantemente vestido. Ao vê-lo na entrada, Mário de Andrade levantou-se, pediu desculpas para nós e disse que tinha um compromisso urgente. Foi aí que me lembrei de que havia certa animosidade entre os dois. Sérgio Buarque também se levantou para cumprimentar Oswald e eu resolvi sair para acompanhar Mário de Andrade até a porta. Cumprimentei Sérgio e combinamos um encontro na Confeitaria Colombo na próxima semana no Rio de Janeiro. Ao sairmos senti que tudo havia desaparecido. Mil carros modernos e velozes passando pela rua e ainda avistei bem longe, envolto por névoas, o andar apressado do Mário. 
Infelizmente estou cá sem saber se sonhara caminhando ao descer a Rua Augusta, ainda fascinado pelo filme A meia noite em Paris ou se havia entrado no túnel do tempo. Não imagino o que possa ter acontecido, mas devo dizer que foi emocionante  aquele encontro surrealista com dois dos mais importantes intelectuais paulistas. Como o túnel do tempo é uma ficção, tributo mesmo esta crônica ao desvario da idade.


As valsas do sapateiro
Professor Renato Ladeia
Cipriano ou Scippioni era o sapateiro da vila. Suas mãos hábeis costuravam, pregavam, colocavam meia sola, saltos etc. “Consertamos sapatos em geral”, dizia uma placa em frente à sua casa.  Os sapatos saiam novinhos em folha. Nem pareciam usados. E ele cobrava um preço que compensava recuperar os velhos pisantes. Tive um par de sapatos que resistiu a três trocas de sola. Comprar sapatos novos! Nem pensar! Era coisa para o natal ou eventualmente no aniversário. Para preservar os calçados nós andávamos descalços pelas ruas e quintais. Nas peladas, no campinho de terra, os pés sofriam e quase sempre voltavam para casa machucados. Álcool, mercúrio-cromo ou então um remédio infalível ensinado por minha mãe: café e açúcar. Podem acreditar que cicatrizava mesmo. Recentemente li que pesquisadores tinham comprovado a eficiência do açúcar como cicatrizante e adstringente. Quanta sabedoria! 
Mas vamos voltar ao velho Scippioni, cujo nome verdadeiro estava escrito em seu acordeom. Era um italiano alto e magro, casado com a dona Rosa, a mulher mais simpática do bairro. Sempre que passava por lá para entregar sapatos para conserto na ausência do marido, ela dizia: “Oi belo, como vai? Tchau belo!”. Confesso que cheguei a acreditar que era belo mesmo. Para minha decepção descobri que todos os garotos do bairro eram belos, inclusive aquele menino com cara de cavalo e nariz sempre escorrendo. 
Além de consertar sapatos o seu Scipioni era um músico. Tocava muito bem seu acordeom italiano de 80 baixos. Meu pai que tocava um pouco o instrumento admitia que ele era mesmo bom, faltando apenas um pouco mais de treino,  o que era impossível, pois precisava dividir o seu tempo entre o sustento e a música. Algumas vezes ia visitá-lo com meu pai e ficávamos ouvindo as antigas valsas italianas. Eles falavam sobre os dois grandes instrumentistas da época: Mário Zan e Mario Genari Filho. Meu pai era mais o Genari e o seu Scippioni o Zan. Ele se emocionava ao ver que estávamos apreciando a sua arte e algumas vezes vi algumas lágrimas escorrerem pelo seu rosto. Era a saudade da sua terra que chegava implacável com as músicas.  Como o tempo era curto, os recitais não passavam das nove da noite, pois todos levantavam muito cedo no dia seguinte. Mas sempre ficava a promessa de um novo recital. 
O tempo foi passando e foi com muita tristeza que um dia ao voltar da escola, vi um caminhão de mudanças em frente da casa do sapateiro. Decepcionado, ainda me ofereci para ajudar na mudança e pude carregar orgulhoso, o estojo com o acordeom até o caminhão. “Non, non... o instrumento vai na gabine” , alertou o seu Scippioni. Fiquei lá até o caminhão ser carregado com a modesta mudança do italiano. Despediram-se de mim prometendo voltar qualquer dia para uma visita.  Desolado, fiquei observando o caminhão subir a rua, ainda de terra, que ficava em frente ao grupo escolar. Mudaram para muito distante de nossa casa e num dia só ficamos sem o músico e o sapateiro. Voltei para casa com um aperto no peito e foi neste dia que descobri que nada era para sempre. 
Ao contar a novidade para o meu pai no final do dia, ele lamentou, pois já havia acertado com ele para dar aulas de música para mim. O professor foi substituído por outro italiano, que morava algumas quadras mais adiante, mas nem de longe tinha  a mesma simpatia do seu Scippioni. Nunca mais vimos o casal e também não consegui aprender tocar o instrumento por falta de bom ouvido musical ou paciência mesmo. Mas de tudo aquilo, ainda restou em minha  memória os recitais noturnos e simpatia da dona Rosa, que generosamente considerava como belos bambinos, todos os endiabrados moleques da rua.


Belo Horizonte

Professor Renato Ladeia
Hoje me dei conta de que a minha primeira viagem a Belo Horizonte ainda permanece em minha memória.  Apenas um fim de semana, mas ainda fica a impressão de que durou uma eternidade. A viagem foi à noite e fez um frio de doer os ossos. Não consegui pregar os olhos, tal o desconforto. Mas o dia amanheceu bonito, ensolarado e pude conhecer a primeira cidade totalmente planejada  do Brasil. Naquele momento me veio à mente a voz da minha professora primária, Da. Teresa Rami, nas aulas de geografia, explicando as características das capitais brasileiras. Mas eu tinha outro motivo, mais relevante para a minha fugaz estadia em BH. Era conhecer a igreja de Pampulha, projetada pelo arquiteto Oscar Niemeyer e com pinturas do grande mestre Candido Portinari. 
A viagem foi a convite de um amigo da época, Marcos Padovani, a quem não vejo há séculos. Sua irmã, Cecília, estava num convento em Pampulha e ele precisava fazer-lhe uma visita, levar-lhe notícias, enfim, coisas de família. 
Ao chegarmos ao convento, fomos recebidos pelas irmãs com um almoço, que desfrutamos solitariamente, pois não era permitido às noviças, tomar refeições ao lado de leigos, mesmo parentes. Marcos, um pouco espevitado, abriu um armário e de lá sacou uma garrafa de vinho de missa, do qual saboreamos, pecadoramente, boas doses. Enquanto ele se divertia com a proeza, eu tive a impressão de que viraria churrasco nas profundezas do inferno. 
Depois do almoço fomos dar um passeio de barco no lago do jardim do convento. Era uma bela paisagem. O lago era rodeado de choupos que lambiscavam, sorrateiramente, as águas. Cecília era acompanhada pela Alessandra, uma moça bela e suave, que cuidava em remar, vagarosamente, o barco. Marcos, encantado com sua beleza, a provocava, insinuando que ela tivera uma desilusão amorosa com algum Alessandro e por isso o nome. Ela se divertia com as brincadeiras do meu amigo e parecia não se importar com elas. A Cecília que eu já conhecia de vista na igreja do bairro, tinha um olhar profundo e suave, próprio das mulheres que se dedicam de corpo e alma às causas religiosas. Sua voz era serena e amiga, transmitindo paz e tranqüilidade. Uma pessoa inesquecível. 
À noite fomos à cidade, pois por motivos óbvios não era possível pernoitar no convento. Vagamos pela cidade tentando comprar amores por preços módicos, pois o dinheiro que tínhamos mal dava para as despesas. Depois de bater pernas inutilmente, acabamos por dormir em um humilde hotelzinho, indicado pelas freiras. As noitadas de amor em BH que seriam cantadas em prosa e verso ficariam para outra oportunidade. Sinceramente, as mulheres mineiras me decepcionaram. 
No dia seguinte, um domingo, foi bastante movimentado, com missa no convento, festas e passeios. Lá pude admirar a ousadia arquitetônica de Niemeyer que projetou uma igreja que chegou a ser fechada pela intolerância da conservadora família mineira. Ele quebrou os paradigmas barrocos sob os quais o imaginário popular mineiro concebia uma igreja. Portinari, por sua vez pintou santos rústicos, feios e mal nutridos, representando uma visão primitiva e pura do cristianismo.  Isso foi demais para a família mineira, guardiã dos ideais do Brasil colonial. O sábio tempo tratou de curar as feridas deixadas pelas ousadias do arquiteto e do pintor e Pampulha está lá, orgulhosamente no panteão das glórias de Minas. 
É sempre triste voltar, pois sempre vem aquele desejo de ficar mais um pouco, conhecer melhor as pessoas, os segredos mais recônditos da cidade, as suas belas mulheres. Voltei sonhando com amores impossíveis, como uma linda freira que abandonaria o hábito e fugiria comigo para uma vida mundana. Antes do amanhecer, a bela freira já teria desistido de abandonar o hábito e eu retornaria a minha vida cotidiana. 
Pois é, Belo Horizonte ficou lá, entre as montanhas de Minas e muita, muita coisa aconteceu depois. Cecília faleceu e hoje é apenas o nome de uma praça em um bairro da cidade, uma homenagem ao seu trabalho voltado para a educação e atendimento à população carente.  Os seus gestos suaves, o seu olhar e sua voz serena se perderam por aqueles horizontes verdes  azulados, onde olhos mineiros descansam. Quanto a Alessandra, cujos belos olhos encantaram dois adolescentes, que fim terá levado?  Belo Horizonte! Quem sabe um dia desses vou novamente à cidade, rever Pampulha e se a sorte estiver do meu lado, tomarei uma boa taça de vinho de missa. Para isso vou precisar da cara de pau do velho Marcos, que nem sei por onde anda.


Carandiru, ecos de memória.
Professor Renato Ladeia

Abriram-se as portas do Carandiru e uma grande horda de tribos das mais diversas origens afluiu para ver, com os próprios olhos, como viviam os excluídos da história. Com os próprios olhos tem um sentido relevante, pois ver com os olhos alheios pode implicar em digerir leituras diferentes, com base em narrativas carregadas de emoções, visões místicas, espiritualistas ou materialistas dos fatos. Afinal, como diz Walter Benjamim, cada narrador carrega nas suas tintas, deixando no vaso as marcas de suas próprias mãos. 
Numa longa fila, estavam jovens, brancos, negros, mestiços, homens, mulheres, católicos, protestantes, leigos, religiosos, piedosos ou sádicos. Todos esperavam ansiosos para conhecer os labirintos de um dos maiores centros penitenciários do país, aonde chegaram a viver (será?) mais de 7 mil presos. O ambiente ainda guardava um cheiro meio envelhecido de seres humanos que ali se amontoavam. Celas sujas, com roupas velhas abandonadas, revistas, jornais, papéis e alguns utensílios ainda pareciam sugerir que os seus donos voltariam a qualquer momento para retomar os seus restos de memória que ficaram. 
Em pequenos cubículos com mais ou menos dois metros por três, sobreviviam quatro a seis pessoas, onde, humanamente, o espaço é apenas suficiente para uma. Mas os seus habitantes reconstruíram o espaço, adaptando-o às mínimas necessidades, criando condições de “conforto” dentro das possibilidades. Uma estante, um box para o banheiro, a pintura do time mais popular na parede, frases de conteúdo moral escritas caprichosamente nas paredes no teto. Enfim, é o ser humano criando condições de adaptabilidade em um ambiente extremamente insalubre e inóspito. 
As pinturas nas paredes sugeriam a fuga da solidão e o desejo de deixar uma marca para a posteridade. Paisagens bucólicas, algumas até com alguma técnica, pareciam simbolizar o desejo de libertação, da busca do paraíso perdido, principalmente para aqueles que não dispunham de janelas que possibilitassem  avistar o horizonte, mesmo de uma cidade degradada e poluída. A religiosidade parecia presente na maioria das celas, com desenhos de santos, orações escritas nas paredes, indicando que as pessoas, apesar dos crimes que cometeram, ainda guardavam o medo mítico do purgatório, obrigando-as a fazer a expiação diária. Versos desconexos cujos sentidos somente a presença dos seus autores poderia dar uma luz para sua compreensão, decoravam algumas celas. Imaginei que aquelas palavras eram vistas diariamente e, talvez, com a explicação dos autores, poderiam adquirir as conotações mais diversas, aliviando corações amargurados pela solidão. 
Pelo burburinho, a maioria dos visitantes acreditava que  poderia ver, através do espaço de concreto, corpos jogados, corpos insones vagando pelos corredores, ou tentando encontrar algum sentido para a vida entre quatro paredes e o calor das noites de verão, onde o ar seria insuficiente para tanta gente. Alguns diziam terem visto fantasmas dos mortos da grande chacina vagando pelas celas e corredores, atropelando os visitantes. 
Outros viam movimentos e ouviam sinistros barulhos nas celas, como as portas se fechando. Havia, entre os visitantes, expressões de medo, de piedade e de terror. A maioria registrava apenas com os olhos as cenas das celas sem vida, outros fotografavam compulsivamente o espaço para um registro histórico pessoal, como um fetiche para ser rememorado no futuro. Nos pátios onde os presos encontravam raros momentos de liberdade, quando podiam olhar para o céu e se banharem ao sol, parecia ser possível ainda ouvir as palavras de conforto, os risos, os choros dos familiares que vinham visitá-los. Eram momentos de esperança em que a solidão era interrompida por breves oportunidades de troca de afeto entre pais, filhos, esposas, namoradas e amigos. 
A história do Carandiru, a sua verdadeira história, talvez nunca venha a ser  escrita. O que temos é a história oficial, dos gabinetes, dos visitantes, dos pesquisadores que por lá passaram e registraram pequenos flashes de vida.  A verdadeira história do Carandiru esta nas conversas nas celas, nos corredores, na violência, nas lágrimas derramadas, nas orações, no sexo proibido,  nas esperanças, no medo e na luta cotidiana para a sobrevivência. É a história oral dos esquecidos que ficará presente nas memórias dos seus entes mais íntimos, cuja narrativa se fará nas alcovas subterrâneas, quando a dor estiver se dissipando e for permitido o uso da palavra. 
Aviões decolavam do aeroporto próximo com um barulho ensurdecedor causando a impressão de que tudo iria pelos ares, gerando apreensão e medo nos visitantes que pisavam o solo numa mistura de respeito e temor. Ninguém tocava em nada, o medo da contaminação parecia dominar a todos, pois se acreditava, pelas conversas sorrateiramente ouvidas, que os objetos e as paredes estavam repletos de doenças perigosamente transmissíveis. Mas havia algo além, que é o medo do Estado, o medo do poder policial,  cuja força simbólica ainda estava lá. Ninguém, nem mesmo os homens livres, pareciam estar a salvo da ameaça à liberdade. É provável  que sejamos eternos prisioneiros dos ditadores, do purgatório, dos opressores e dos campos de concentração, ainda que existam apenas difusamente em nossas memórias.   A verdadeira liberdade somente será possível quando nos livrarmos desse poder ameaçador cujas armas mais poderosas são os tentáculos que deitam raízes profundas em nosso inconsciente. 
Os homens, como escreveu Halbwachs, não são apenas o espaço material onde eles se agrupam, mas também, e, principalmente, as relações invisíveis, sejam elas econômicas, sociais e religiosas. Assim, nas celas vazias de homens e de relações, as memórias estavam incompletas, pois não estavam presentes as que existiam entre os seus habitantes. E, ali, as relações seriam fundamentais, pois a exigüidade do espaço obrigaria os moradores a uma negociação constante sobre os direitos de cada um, sob o risco de se chegar a conflitos de proporções imprevisíveis. Os papéis de cada um eram construídos e reconstruídos no dia a dia da vida cotidiana. A vida econômica existia e a moeda de troca podia ser o cigarro ou algum privilégio qualquer. Nas prisões, os direitos são estabelecidos por regras próprias, onde não valem aquelas dos homens livres, mas há um respeito pela palavra empenhada até que fatos novos não a atropelem. Cada cela seria um subsistema quase fechado de relações, que só se abriria no espaço público da penitenciária, o pátio, onde todos poderiam usufruir do sol e de relações mais amplas. As relações com o meio exterior, excetuando as afetivas com o grupo familiar e de amigos,  seriam mais complexas e dependeriam de códigos e metáforas para serem concretizadas em suas formas políticas e econômicas. 
Enfim, é previsível que o sistema de relações nas novas unidades prisionais deve estar sendo construído pari passu, com negociações que envolvem novos direitos, novos deveres em novos espaços, com novas relações afetivas e, principalmente, políticas que definirão as condições de sobrevivência. Com unidades menores, a teia de relações existente no Carandiru foi desconstruída, fragmentada, e dependerá de habilidades de articulação e de adaptação para tornar possíveis novos  projetos de vida. Mas a memória do Carandiru ainda permanecerá como símbolo do medo, para quem estava lá dentro ou do lado de fora. Mesmo depois de transformado em área de lazer,  escolas, locais de trabalho, ficará presente, para sempre, enquanto perdurar a capacidade humana de narrar suas memórias, reais ou não, o medo do Carandiru.


Manaus e o encontro das águas

Professor Renato Ladeia

Por hoje e talvez por amanhã também, nada será tão poético para mim como a expressão: o encontro das águas. Águas que vêm do sem-fim das Américas, das águas do degelo dos Andes, que vêm arrastando paus, pedras, vidas, flores, dores, amores por onde passam e de repente se encontram com outras águas, águas escurecidas, que vêm do norte, do sem fim do lado de lá do Equador.  E foi isso que eu vi, com esses olhos que um dia a terra há de devorar que as águas do Solimões e as águas do Rio Negro se abraçam num enlace amoroso e permanente até chegar ao mar. 
Uma simpática senhora manauense me perguntou se era realmente verdade que das margens do Rio Negro seria possível mesmo ver o encontro das águas. A verdade está no olhar de cada um. O poeta finge que vê e que também não vê. Enquanto isso, o rio arrasta suas águas indefinidamente até o final dos tempos. O físico e quase poeta Stephen Hawking disse que o universo em expansão um dia faria o caminho inverso até o nada. Voltaríamos todos até o óvulo e além dele, aos abraços, ao amor. Infelizmente ele voltou atrás para dizer que o tempo era a única coisa permanente, que não volta nunca mais. 
José Luiz, que no fundo de sua alma é um poeta, avisou que ir a Manaus sem ver o encontro das águas é um pecado mortal. Ele nasceu olhando o rio desde os olhos de sua mãe e, até hoje, continua sonhando com ele. Tomando cerveja e saboreando um peixe do rio e olhando para as águas ele disse que não havia coisa mais bonita do que o por do sol no Rio Negro.  Percebi que ele sonhava com o seu rio, como o João Valentão da inesquecível canção do Dorival Caymmi que também sonhava com o mar da Bahia. “E assim adormece esse homem, que nunca precisa dormir, pra sonhar, porque não há sonho mais lindo, do que sua terra, não há”. 
O rio é sempre uma forte presença na cultura humana. Quem poderia pensar em Paris sem se lembrar do velho e poluído Sena ou de Londres sem o seu quase restaurado Tamisa. E o que seria do Fernando Pessoa sem o Tejo? “O Tejo é o mais belo rio que corre pela minha aldeia/ Mas o Tejo não é mais belo do que o rio que corre pela minha aldeia/ Porque o Tejo não é o rio que corre pela minha aldeia.”.  O nosso bardo e poeta Caetano Velloso também imortalizou o rio que passava em sua pequena Santo Amaro com os belos versos: “Onde eu nasci passa um rio/ que deságua num igual sem fim/ igual sem fim minha terra/ passava dentro de mim”. 
É por isso que invejo os manauaras, porque eles têm um enorme rio, um rio que às vezes a vista não alcança. Um rio que corre silencioso e sem pressa para o seu encontro com o Solimões e com o mar. Um rio colorido pelos barcos que se preparam para as festas de Parintins. Os barcos parecem ensaiar seus passos de dança, enfeitados por fitas coloridas que criam um belo contraste com a sujeira do cais. Eu olho inseguro para aquele povo que não conheço. São olhares índios e mestiços que estão atentos aos movimentos dos barcos e aos passantes. Sigo o Vitangelo, um italiano que adotou a Amazônia e que é meu guia nessa misteriosa, ameaçadora e selvagemente bela cidade. Como seu patrício que descobriu a América, ele desvendou aos poucos os encantos do rio, do porto, dos becos me guiando soberbo pela Manaus que um dia sonhou ser uma Paris às margens do rio Negro. 
Avistamos o teatro que o meu imaginário construiu bem maior. Enquanto meu guia me contava sobre os áureos tempos da febre da borracha, eu via fantasmas vestidos de ternos de linho branco e chapéus panamá, acompanhados por elegantes senhoras em direção ao teatro para assistirem a mais um espetáculo de ópera. 
Mas o tempo é curto e tristemente me despeço de Manaus e dos rios por um derradeiro olhar que até pouco tempo era um privilégio apenas de Deus. Mas, por sorte, os homens criaram os aviões contrariando a vontade divina e nós, pobres mortais, podemos ver o mundo com o mesmo olhar de um criador ao concluir sua obra.
           



8 comentários:

  1. Parabéns ao prof. Creso Peixoto. Um bom texto no idioma de Cervantes.

    ResponderExcluir
  2. Felipe, neste momento de eleição, seu texto nos faz pensar mais e melhor! Giselle.

    ResponderExcluir
  3. Excelentes Crônicas ! Parabéns !!!

    ResponderExcluir
  4. O Prof Renato pinta quadros em vez de simplesmente escrever - a leitura do texto: O som do piano ainda ressoa nas tardes frias de inverno,... resguarda lirismo e poesia, na forma de entusiasmo criador.
    Creso F Peixoto

    ResponderExcluir
  5. Professor Ladeia, seus textos são incríveis!
    Chimenia Rebouças

    ResponderExcluir
  6. Professor Rentato Ladeia, é um orgulho ler tantos textos seus. Não é fácil encontrar professores tão "pensantes' quanto o senhor.
    Um abraço,
    Thiago.

    ResponderExcluir
  7. Chimênia,
    Parabéns pelo seu texto. Gostei muito.
    Renato ladeia

    ResponderExcluir