Era dia 14 de maio de 2014...
Fui trabalhar com um frio na
barriga diferente, pois começava meu voluntariado com que tanto sonhei. Já
estava tudo indicado, meu horário era das 16h00 às 18h00, onde iria ler e
brincar com duas crianças. Além de criar um álbum com o registro de suas
atividades, com fotos, relatos de amigos e outros detalhes.
Na segunda anterior, fui ao
abrigo para a última reunião com a coordenadora do local e um psicólogo. Me
apresentaram um pouquinho da história de cada criança que seria
"minha" - bem pouco na verdade, pois o objetivo do programa é
descobrir o passado por meio das anotações semanais. Eu iria trabalhar com uma
menina de seis meses e um menino de 14 anos. Ambos estavam lá por problemas
familiares e estavam em processo de ressocialização.
A manhã do dia 14 passou bem
devagar. E, quando deu 15h30 lá estava eu, com bastante receio do que estava
por vir, mas com uma sensação de estar muito perto do que tanto sonhei. A única
coisa que eu acreditava saber era que trabalhar com a bebê seria bem mais fácil
do que com o adolescente.
Quando cheguei, todos foram muito
simpáticos comigo - a casa tinha, aproximadamente, 15 moradores – fui
direcionada à biblioteca e lá estava um menino um pouco mais baixo que eu e
muito tímido, a ponto de não trocar uma palavra comigo. Para ajudar, estava
muito rouca, minha voz saia quase como um suspiro. E foi com esta ausência de
voz que desenvolvemos a conversa e começamos a nos conhecer. Ele não queria
falar nada e estava com medo. Eu não conseguia falar nada e também estava com
medo. Isso nos aproximou e, quando me dei conta, estávamos conversando sobre
várias coisas em comum, sobre nosso Corinthians, sobre nós. E assim acabou
nosso primeiro encontro... Estava em dúvida de como seriam os próximos, afinal
conversamos sobre tudo. Menos sobre sua família, que era minha maior
preocupação.
Chegou o momento de encontrar a
bebê. Conversei com a educadora que me apresentou à pequena e a colocou em meus
braços. Pensei que tudo estava bem tranquilo a partir deste momento. Iria ler
para ela, brincar e estava sob controle.
Ao entramos na biblioteca, ela
não parava... Se mexia muito, chorava, olhava tudo, chorava, deitava, chorava.
Era meu primeiro contato individual – durante muito tempo – com um neném. O que
fazer quando ela não fala, mas tem diversas vontades? E eu não tinha a mínima
ideia de como entendê-la ou de, ao menos, entretê-la. E foi neste momento que
descobri que nada seria como eu imaginei. Esse foi o início do meu trabalho voluntário.
Meu coração estava alegre demais!
As quartas foram passando,
passando e me trazendo mais perto deles. As educadoras começaram a acreditar no
meu profissionalismo e na minha vontade de continuar nesta atividade por muito
tempo. Os técnicos, coordenadores e psicólogos também. Até os moradores, que
muitas vezes ficam afastados dos voluntários, gostavam de mim. E nisso, criamos
um círculo de amizade. A partir deste momento, notei que, na verdade, quem
precisava deles, era eu.
Após três meses, a coordenadora
me chamou para conversar. Nossa pequena bebê estava em processo de adoção.
Fiquei extremamente feliz em saber que ela teria a chance de ter uma família
que a deseja e uma mamãe que a ame. Mas também fiquei um pouco receosa...
Queria que a nova mamãe fosse tão boa para ela quanto a minha é para mim. Eu
sabia que a probabilidade de vê-la depois dessa separação era bem pequena,
senti por isso, mas a felicidade predominava. Algumas semanas depois, o
psicólogo me ligou e disse que no próximo domingo iria conhecer sua nova mamãe.
E ela é realmente tudo que imaginei. Ao chegar em casa, chorei um pouco.
Percebi que já estava bastante apegada, que fazíamos parte uma da outra. Mas
meu amigo ainda estava lá – mesmo que por pouco tempo.
Dia 10 de setembro, ele voltou
para casa de sua família. Porém, não conseguimos nos despedir pessoalmente. No
dia de nosso encontro, ele foi para uma audiência no fórum e saiu direto para
sua casa. Escrevi uma carta para ele com o coração apertado. Mas com duas
frases ditas por ele, que ficarão bem guardadas:
“Você vai ganhar em primeiro lugar no SICFEI, porque você está falando
sobre crianças muito legais. Com certeza você ganha!” e “Você mudou minha visão
sobre família. Hoje quero ter uma, quero me namorar, casar, ter filhos. Você me
mudou.”. Não pude me despedir fisicamente, mas continua em minhas orações e sei
que hoje está bem.
Agora estava com um
novo desafio, novas crianças me esperavam... E foi na segunda quinzena de
setembro que conheci dois meninos lindos, um de cinco anos e um de dois meses.
Em outubro, foi à
apresentação do SICFEI e assim como o adolescente tinha me dito, eu fui
premiada entre os cinco melhores projetos. Foi uma satisfação muito grande,
fiquei visivelmente emocionada, pois lembrei de cada palavra dita por ele. Se
não bastasse este grande reconhecimento, em um dia normal meu celular tocou.
Sem reconhecer o número, atendi. Era a mamãe da bebê adotada, me informando que
gostou muito do meu trabalho e que queria manter a ligação entre nós. Que
desejava muito que sua filha me reconhecesse como amiga da família e a
responsável por registrar o início da vida dela. Não acreditava no que tinha
acabado de ouvir. Realmente, era muito melhor do que imaginei! Agora somos
amigas, frequento sua casa e sou muito querida por eles, assim como são por
mim.
Há sete meses,
aproximadamente, trabalho com os meninos. O bebê está se desenvolvendo muito
bem, me reconhece e está com nove meses. Está bem gordinho e alegre. O menino
de seis anos se tornou meu grande amigo, divertidíssimo e feliz, me ensina em
todos os encontros que todos os problemas podem ser resolvidos por meio da
criatividade e inocência.
Tenho certeza que se eu
não tivesse seguido atrás deste sonho, hoje não seria tão completa. Agradeço a
Deus por ter permitido todos esses acontecimentos. Esse amor me completou, me
fez mais feliz, deu um novo rumo aos meus projetos e ficará para sempre marcado
na minha história, no meu coração e na minha pele.
Gabriela Vieira
Campus São paulo